Independentemente de se aplaudir ou não o regime político da Monarquia
Constitucional Representativa, e o sistema económico-social liberal, defendidos
por Pinheiro Ferreira – ainda que acusado por alguns autores de «ter
ensinado doutrinas revolucionárias», (GRAND LAROUSSE ENCYCLOPEDIQUE, s.d.:
505), a verdade é que o Brasil adotou, nas suas leis fundamentais, os valores
liberais e democráticos por ele perfilhados e divulgados.
Existe uma forte relação entre os valores e direitos defendidos por
Silvestre Ferreira, e os que foram aprovados na Constituição do Brasil de 25 de
março de 1824, estabelecendo esta no seu Artº. 179 que: «a inviolabilidade
dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, (...) têm por base a
liberdade, a segurança individual e a propriedade.» (CAMPANHOLE &
CAMPANHOLE, 1987:674).
Da Constituição Imperial de 1824 à Constituição Federal de 1988, decorre
um período de tempo de 164 anos, e profundas alterações políticas, sociais,
culturais e económicas ocorreram no Brasil. Contudo, é interessante registar
que no âmbito dos direitos naturais, tais como foram defendidos por Pinheiro
Ferreira – a liberdade individual, a segurança pessoal e a propriedade real –
eles mantêm-se no capítulo dos “Direitos e Deveres Individuais e Colectivos” da
Constituição Federal do Brasil: «Art. 5º. - Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (LOPES, 1999:2-3).
É certo que houve períodos na História Brasileira, pós-independência, em
que, tal como em Portugal, predominaram princípios e valores caraterísticos das
ditaduras: no Brasil, os períodos de 1891-93 (Floriano Peixoto), 1930-34,
1937-45 (Getúlio Vargas), 1968-85 (Regime Militar). Não obstante essas
vicissitudes, desde os primeiros momentos da independência, o liberalismo é a
força ideológica do Brasil político como o mostram, à saciedade, as
Constituições de 1824, 1891, 1934, 1946 e 1988. (BARRETO, 1990:139).
Um outro aspeto importante a salientar é a
sensibilidade de Silvestre Ferreira às pretensões autonomistas do Brasil. No
parecer que ele deu a D. João VI contido no estudo “Sobre os abusos gerais e
modo de os reformar e prevenir a revolução popular”, a propósito de uma
eventual lei de divisão do Reino de Portugal e seus territórios do Brasil, Ásia
e África, existe uma “Nota”,
apresentada sob forma de providência cautelar a ter em consideração pelo
Monarca, que o aconselha a reconhecer uma certa autonomia e independência ao
Brasil, no caso dessa divisão se consumar. (cf. FERREIRA, 1814/15a:7) ([1])
Conhece-se a posição de Silvestre Ferreira sobre
alguns dos direitos fundamentais, naturais ou absolutos, entre os quais se
destaca a liberdade: seja individual; seja nas suas diferentes aplicações (de
pensamento, de expressão, de circulação, de profissão, de residência, etc.). O
conceito de liberdade individual desenvolve-se por quatro tipos, ou seja: a
liberdade de correspondência e manifestação; liberdade de residência e
indústria.
A propósito da liberdade individual, Pinheiro
Ferreira não só a considera essencial, como estabelece uma certa relação entre
ela e a atividade profissional do cidadão: «A livre escolha no objecto e no
modo de emprego das nossas famílias industriais constitui um dos essenciais
elementos da liberdade individual: e é sabido que este, assim como os demais
direitos, não têm outro limite que não seja o da lei do justo, que se cifra em
não se ofender os legítimos interesses de terceiros, quer este seja algum
indivíduo particular, quer seja o Estado.» (FERREIRA, 1844:277).
A liberdade, genericamente considerada, é difícil
de concetualizar; Pinheiro Ferreira contornou este obstáculo, especificando as
liberdades de acordo com os objetivos a alcançar; e muito embora tenha
elaborado uma breve definição, esta deixa uma sensação de insuficiência, e o
problema poderá não ter ficado resolvido, quando se procura uma extensão
completa, e total, ao domínio dos direitos humanos, conforme se julga inferir
da seguinte noção: «Os espíritos que, na presença de
muitos motivos, obram umas vezes por um, e outras vezes por outro desses
motivos, chamam-se livres: a faculdade de assim proceder chama-se liberdade; e
cada um desses actos chama-se escolha.» (FERREIRA, 1839:25). ([2])
Silvestre Ferreira defende que é a lei que deverá
garantir, ao indivíduo, o seu direito de exercício das várias liberdades. Se
relativamente às liberdades de correspondência, de indústria e de residência, a
lei poderá objetivar-se com mais rigor, outro tanto não será possível quanto à
liberdade de pensamento.
A manifestação do livre pensamento por palavras
orais não terá o mesmo efeito que por palavras e desenhos escritos: aquelas
diluem-se e esquecem-se no tempo, estes permanecem longamente. No âmbito
escrito, anotem-se estilos e meios que, dirigindo-se a populações-alvo
diferentes, produzem efeitos diversos. A palavra oral é mais perigosa porque,
envolvida com sentimentos e emoções fortes, conquista, rapidamente, as classes
menos letradas e as consequências são, por vezes, desastrosas.
A lei, na perspetiva de Pinheiro Ferreira, devia
garantir a cada cidadão a fruição dos seus direitos naturais, com salvaguarda
do dever de cooperação para a manutenção daqueles direitos, a fim de não
prejudicar a lei do justo no sentido do maior bem possível: de quase todos e de
cada um em particular. No entanto, o autor propõe algum condicionalismo no
cumprimento dos deveres: «Os deveres que a lei impõe ao cidadão não podem
estender-se além dos sacrifícios e encargos indispensáveis para assegurar a
fruição do bem comum em conformidade com a lei do justo.» (FERREIRA,
1836:2). ([3])
Bibliografia
BOBBIO, Norberto, (1988). Liberalismo e Democracia. Tradução, Marco Aurélio Nogueira. São Paulo:
Brasiliense. Pp.11-17, 42-55, 68-71, 79-91.
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo,
(1987). “Constituição de 25 de março de
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1814-15a) in Celina
Junqueira (Dir.) (1976) Silvestre
Pinheiro Ferreira, Cartas sobre a Revolução do Brasil, Memória Políticas sobre os Abusos Gerais e modo de os Reformar e
Prevenir a Revolução Popular Redigidas por Ordem do Príncipe regente no Rio de
Janeiro em 1814 e 1815, Vol. VII, prefácio de Vicente Barreto, Rio de
Janeiro: Editora Documentário: Pontifícia Universidade Católica: Conselho
Federal de Cultura, Colecção Textos
Didácticos do Pensamento Brasileiro.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e
do Cidadão. Paris: Rey et Gravier,
FERREIRA,
Silvestre Pinheiro (1844) “Questões de Direito Público e Administrativo,
Filosofia e Literatura”, in José Esteves Pereira, (1996) Silvestre Pinheiro
Ferreira, Textos Escolhidos de Economia Política e Social (1813-1851) Lisboa: Banco de Portugal.
GRAND
LAROUSSE ENCYCLOPEDIQUE en dix volumes, (s.d.). “Pinheiro Ferreira, Silvestre”, Tome huitième, Paris: Libraire Larousse, PIN/505.
LOPES, Maurício António Ribeiro
(Coord.), (1999). A Constituição Federal do Brasil-1988.
4a Ed. revista e actualizada. S. Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Artº. 1o a
17o p.
“NÃO,
à violência das armas; SIM, ao diálogo criativo. As Regras, são simples, para
se obter a PAZ”
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=924397914665568&id=462386200866744
Venade/Caminha – Portugal, 2023
Com o protesto da minha permanente
GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de
Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de
Letras e Artes de Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
http://diamantinobartolo.blogspot.com
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
https://www.facebook.com/ermezinda.bartolo
([1]) Cf.
Alínea e) – «Dois são os fins desta
quarta providência: O primeiro é assegurar a V.A.R. e aos seus augustos
sucessores no império do Brasil, o exercício do Poder legislativo no reino de
Portugal, sem que aqueles povos se julguem por isso reduzidos à categoria de
colónia, ou de algum modo minorado na independência, que de direito compete
àquele reino». (Ibid.:7).
([2]) Na nota
de rodapé ao parágrafo 156 da Ideologia, Pinheiro Ferreira faz uma crítica aos
filósofos que elaboram definições utilizando argumentos sofismáticos e
viciosos. A propósito da liberdade escreve «(1) São exemplo desta sorte de
sofismas os argumentos com que alguns pseudo-filósofos têm pretendido combater
a liberdade do homem. Todos eles se fundam na falsa definição que se costuma
dar de liberdade a saber: o poder de obrar ou não obrar, segundo a nossa
vontade. E depois define-se vontade o poder de se determinar a alguma acção por
motivo de algum bem. Donde, aqueles filósofos concluíram que a liberdade é a
faculdade de nos determinarmos, na presença de vários bens, por aquele que nos
agrada mais. Logo, dizem, eles sendo um só esses que nos determina, não há
opção e logo não há liberdade. Toda a discussão cessa no momento em que se
admitir a definição que havemos dado de liberdade no parág. 70 da Ontologia;»
(Idem.: 46).
([3]) O Artº.
4º da ob. cit., refere: «todo o sacrifício que se exigir do cidadão, sem seu
consentimento expresso ou tácito, deve ser considerado como infracção dos
direitos naturais do cidadão.» No esclarecimento que se segue, Pinheiro
Ferreira, a propósito do consentimento tácito, indica quais são os sacrifícios
que o cidadão tacitamente aceita: «os cargos públicos, o serviço militar, as
obrigações provenientes dos contactos, e os efeitos de presunção legal, são
exemplos de consentimento tácito.»
”
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