domingo, 24 de novembro de 2024

CAMINHOS DA LUSOFONIA

Encetar, desenvolver e concluir um diálogo, entre pessoas de culturas diferentes, utilizando, embora, o mesmo idioma, nem sempre é fácil, inclusive, dentro de um mesmo território, na medida em que a significação da palavra, da frase e do texto, no seu todo, terá interpretações e repercussões diferentes, logrando proporcionar reações igualmente diversas, o que, em algumas situações, poderá conduzir aos denominados “mal-entendidos” e, até, a um ou outro conflito.

As relações entre povos de latitudes diferentes, que comungam princípios, valores, e mesmo sentimentos muito específicos, não necessariamente idênticos, de uns em relação a outros, por vezes não produzem os resultados desejados, designadamente, quando o diálogo utiliza uma linguagem excessivamente técnico-científica, ou sub-reptícia ou, ainda, sofismática, isto é, vocabulário que determinadas classes socioprofissionais, político-religiosas, económico-financeiras recorrem, por vezes, para confundirem, ou então, negarem o que lhes convém.

Da experiência recolhida, aquando da passagem por S. Tomé e Príncipe, Angola, Brasil e Moçambique, das investigações realizadas, e das opiniões auscultadas, penso que as relações lusófonas, no seu dia-a-dia, designadamente entre os povos colonizadores e colonizados, na sua esmagadora maioria, entendem-se melhor nos estratos sociais mais baixos, do que nas altas esferas dos diversos poderes.

Em toda a parte do mundo sabe-se que, em geral, o povo anónimo, não será conflituoso, nem agressivo, pelo contrário, é brando, humilde e respeitador, naturalmente, defensor dos seus princípios, valores, sentimentos e dos pergaminhos da sua História, território, língua e cultura. É legítimo e justo.

Os problemas, quase sempre, partem de algumas altas instâncias, por razões de domínio, estratégias, quantas vezes obscuras, para atingirem objetivos e interesses, eventualmente, inconfessáveis, sem que com isso o povo beneficie, do que quer que seja, de resto, em algumas situações, é a parte maioritária da população que mais sofre em muitos aspetos: integridade física, desemprego, doença, fome e morte.

Importa referir que: quer os colonos do século XX; quer os povos colonizados, os quais, na maioria das situações conhecidas, viviam em paz, com abundância de bens de primeira necessidade, acasalamentos por amor, miscigenação, trabalho conjunto, de que resultava um desenvolvimento equilibrado e sustentável, para este povo anónimo que se relacionava, com os alegados invasores, com respeito, sendo, igualmente, considerado e honrado.

Obviamente que esta reflexão não pretende, em circunstância alguma, “branquear” eventuais excessos, que se tenham cometido, durante o período colonial porque, e desde logo, a escravatura, a exploração do homem pelo homem, os maus tratos físicos e psicológicos, certamente ocorreram em muitas partes dos territórios ocupados, todavia, e ainda durante a permanência dos colonos portugueses, um processo revanchista, também terá sido implementado, não pelo povo anónimo, humilde e sacrificado que, entretanto, já suspirava de saudade e receava por piores dias, como de facto veio a acontecer, no pós-descolonização, em algumas ex-colónias, devido às guerras civis, entre os movimentos políticos, a situação piorou radicalmente.

Portugal, graças à iniciativa dos “Capitães de Abril”, e o apoio incondicional do povo anónimo, desencadeou uma Revolução para derrubar um regime ditatorial que, durante quase cinquenta anos, mais exatamente, quarenta e oito anos: oprimiu os portugueses e os povos colonizados; perseguiu, prendeu, condenou, quantas vezes sem julgamento, nem direito a defesa, milhares de cidadãos; obrigou, praticamente, todos os jovens em idade militar, a irem combater para as então designadas colónias, “defender” interesses e objetivos que não eram os do povo simples e humilde.

Posteriormente à “Revolução dos Cravos”, em 25 de abril de 1974, iniciou-se o processo conhecido pelos “3-D’s”: Descolonizar. Democratizar. Desenvolver, agora no plano nacional. Quanto à primeira fase deste projeto – Descolonizar -, o que hoje, se julga saber, passados mais de quarenta e nove anos, é que a esmagadora maioria do povo: ex-colonos e ex-colonizador, ficou a perder. Os primeiros, porque nunca nenhum Governo os ressarciu dos prejuízos sofridos; os segundos, porque à época, o desenvolvimento, praticamente, estagnou.

Entretanto, instalou-se a guerra civil entre os Movimentos de Libertação. A destruição de bens como: infraestruturas, serviços e projetos em curso, foi quase total. A morte de pessoas, inocentes e indefesas atingiu proporções alarmantes; durante mais de uma década, principalmente em Angola, Moçambique e Timor. O povo anónimo, padecia na pele, o que nunca tinha sofrido durante a vigência do colonialismo, de resto, ainda hoje a miséria, a fome, o subdesenvolvimento, a violência e o atraso estrutural, continuam a grassar nessas ex-colónias, para uma parte significativa das respetivas populações.

Por outro lado, os Portugueses, da então denominada Metrópole, começaram a ser perseguidos, saqueados e muitos foram mortos, porque cometeram os crimes de: serem colonos brancos; investirem nesses territórios o que venderam em Portugal; contribuírem para o desenvolvimento das colónias. As nossas Forças Armadas, cada vez tinham menos poder, acabando por se retirarem, digamos que à pressa, dos territórios coloniais, como que a fugirem para não serem massacradas, uma debandada que, em certas situações, teria sido humilhante.

O retorno à ainda então Metrópole, dos civis nacionais e africanos autóctones, que desejaram vir, e tornarem-se portugueses, tinham esse direito, indiscutivelmente, foi uma vergonha, pese embora as “pontes aéreas” e a navegação marítima, que proporcionaram a fuga, quase desordenada, de centenas de milhares de pessoas, estimando-se que mais de meio milhão tenham sido obrigadas a fugir, daquele “inferno” da guerra civil, saques e assassinatos.

Milhares de Portugueses, oriundos da então Metrópole (Portugal Continental) venderam todos os seus bens que possuíam, para investirem nas então províncias ultramarinas, porque governos irresponsáveis, demagógicos e prepotentes, afirmaram, ao longo dos séculos, que aqueles espaços eram território nacional, parte integrante de um alegado Império, que se desmoronaria como um castelo de areia.

Em boa verdade, alguns governantes tinham a obrigação de saber que, mais cedo ou mais tarde, Portugal seria pressionado a entregar as suas ditas colónias, aos povos que nelas nasceram e habitavam, de resto, isto mesmo já tinha acontecido com a independência do Brasil, em 07 de Setembro de 1822, porém, pacificamente, sem derrame de sangue, e sem que fosse necessário expulsar os Portugueses, pelo contrário, o povo Brasileiro, e muitos dos seus governantes, ainda acolheram milhares de Lusitanos, que desejavam fazer vida e futuro naquele maravilhoso país.

Considero da mais elementar justiça ético-moral, publicar uma referência elogiosa ao Brasil, na medida em que nunca abandonou o idioma de Camões, ao qual imprimiu uma melodia que a todos, ainda hoje, nos encanta. Povo humilde, hospitaleiro e culto. No âmbito da Lusofonia, poder-se-á afirmar que o Brasil, com 200 anos de independência, tem sido um irmão leal e amigo do seu “mano mais velho”.

A propósito, Camões convida-nos a manter esta união literária, idiomática e cultural e o que verificamos hoje, no primeiro quarto do século XXI, no que respeita à emigração de brasileiros para Portugal, o mesmo já aconteceu no passado, de forma inversa, por isso, os Portugueses têm a obrigação moral, fraterna, ética e legítima, de receber os seus irmãos do Atlântico Ocidental.

Outras grandes potências colonias: Inglaterra, França, Espanha, Holanda, cedo verificaram que os territórios que também tinham ocupado, ilegitimamente, não lhes pertencia e, inteligentemente, concederam as respetivas autonomias, sem grandes conflitos. Portugal, nada aprendeu com os bons exemplos do passado, e dessas potências.

Obviamente que se sabia que Portugal não tinha condições para: por um lado, manter um Império com territórios tão vastos, longínquos e distantes uns dos outros; por outro lado, as cúpulas dos Movimentos de Libertação, organizavam-se e lutavam pela autonomia, apoiados pelas grandes potências mundiais, principalmente: Rússia, China e América.

A independência dos povos africanos era, portanto, aos olhos do mundo democrático, justa, legítima e legal, para além de desejada pelos mais altos dirigentes, apesar do povo anónimo, ao que se julgava, não estar bem esclarecido quanto ao futuro que os poderia esperar e que, como se viria a verificar, durante longos anos, foi de uma autêntica tragédia humana, social, económica e cultural.

Decorridos mais de quarenta e nove oito, no que aos então rotulados de “Retornados” diz respeito, a sua integração no território nacional fez-se paulatinamente: com bastantes dificuldades para uns e, também, muitas facilidades para outros, em função das atividades que desempenhavam no alegado “Ultramar”, porque se verificou a colocação de muitos em bons empregos; a instalação de milhares de pessoas em hotéis e pensões; outros, porém, junto com familiares, recebendo algum apoio monetário; finalmente, havia aqueles que, devido à idade e a terem vendido tudo em Portugal, valeu-lhes a família e amigos.

Quanto aos africanos autóctones, que decidiram permanecer nas suas terras, a esmagadora maioria, não terá beneficiado, rigorosamente nada, com a descolonização e correspondente independência dos seus países. Os conflitos, mais ou menos latentes, entre os Movimentos de Libertação e altas individualidades, civis, políticas e militares continuaram, a miséria aumentaria exponencialmente, fora das grandes cidades: a subnutrição, a fome, o analfabetismo e o inerente obscurantismo, ainda grassam.

Tive a oportunidade de conhecer quatro países que foram colonizados por Portugal: S. Tomé e Príncipe, Angola, Brasil e Moçambique. Os três últimos detentores de imensas riquezas: petróleo, gás natural, ouro, diamantes, madeiras, produção agropecuária desenvolvida, contudo, o fosso entre os extremamente ricos e os imensamente pobres é, quase, infinito, inaceitável, injusto, imoral, provavelmente, ilegal.

É claro que sempre houve, em todo o mundo, e ao longo dos tempos: ricos, remediados e pobres, todavia, quando se faz uma revolução é para melhorar as condições e qualidade de vida do povo, em todos os sentidos. Isso não se conseguiu, ainda, nas ex-colónias, nem em Portugal, embora no território de Camões, tenha havido melhorias significativas, mas ainda insuficientes.

Portugal, um recanto tranquilo da Europa Ocidental, “à beira-mar plantado”, como dizia o poeta, em plena terceira década do século XXI, ainda há cerca de 17 por cento da população, a maioria, idosa, a viver no limiar da pobreza, com pensões e reformas equivalentes a menos de quinze euros por dia, em milhares de situações, isto para não invocar as ainda centenas de milhares de desempregados, sem quaisquer apoios, e milhares de jovens e adultos que tiveram de emigrar.

Corresponderá toda esta situação, em Portugal e nas ex-colónias, aos projetos que os nossos “Capitães de Abril” de 1974 e o Povo anónimo de então, tanto desejavam, e que acalentou esperanças na realização do programa apresentado à época: “3-D’s”: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver”? Continuemos, contudo, a acreditar que, mais cedo ou mais tarde, um “D. Sebastião” surja no horizonte, que, finalmente, as mulheres e os homens responsáveis pela condução dos países, sejam iluminados e lutem pelo bem-comum!

Acreditamos que a situação, em vários domínios da vida nacional, está a melhorar, paulatinamente apesar de cada vez haver mais ricos e a pobreza não descolar de elevadas taxas na população. Apesar de tudo, nota-se que a partir do ano de dois mil e dezasseis, as estatísticas com repercussões no tecido empresarial e social, têm vindo a revelar alguns sinais de uma recuperação económico-financeira realista, que permitirá encarar o futuro com mais otimismo.

“NÃO, ao ímpeto das armas; SIM, ao diálogo criativo/construtivo. Caminho para a PAZ”

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Venade/Caminha – Portugal, 2024

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente HONORÁRIO do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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