A educação/formação do homem contemporâneo, numa
perspectiva de futuro, no sentido de se aperfeiçoar e consolidar uma sociedade
moderna, justa, tolerante, solidária e produtiva, pressupõe investigação,
conhecimento e prática, eventualmente inverificados ou inconfirmados pelos
critérios científicos e tecnológicos, mas não menos credíveis, práticos e
úteis, na vida corrente de cada pessoa.
A fórmula
mágica, qual receita milagrosa, para educar/formar pessoas humanas, a ciência e
a técnica ainda não a revelaram inequivocamente, o que não impede de se tentar
outras abordagens e transmitir algumas práticas e valores: quer pela
comunicação tradicional; quer pelas boas-práticas de quem pode e deve ministrar
tais matérias, inegavelmente, os professores/formadores, encarregados de
educação e Igrejas, numa primeira fase da vida da criança, do adolescente e do
jovem. Posteriormente, já na idade adulta, também as empresas, entidades
formadoras, a própria sociedade.
E se a educação e a formação profissional devem
ficar sob a responsabilidade dos respetivos técnicos e avaliada a sua evolução
no aluno e no formando, pelos critérios e instrumentos da ciência e da técnica,
outro tanto não será de fácil aplicação no que se refere aos conhecimentos,
comportamentos e integração na comunidade, daquele mesmo jovem e/ou adulto, no
tocante aos domínios sócio-culturais e atitudinais.
A seleção de tais conhecimentos e práticas, que
possam resultar numa pessoa humana com um novo perfil do profissional-cidadão,
é difícil de se realizar, todavia, a título de uma hipótese possível e
verificável, certamente entre muitas outras, abordem-se quatro dimensões ou
pilares, que em muito podem contribuir para a construção deste magnífico
edifício que é o novo cidadão contemporâneo, justamente, a partir da:
liberdade, democracia, cidadania e educação, entre outros igualmente
importantes, como a religião, esta considerada no seu expoente máximo que se
eleva através do espírito, no sentido de um Absoluto: Deus.
Trata-se de uma construção delicada, complexa, cujo
arquiteto não pode nem deve orientar os trabalhos à distância, sob pena da
construção ficar ao livre arbítrio dos trabalhadores, ou seja, este arquiteto
que aqui é substituído pelo professor/formador, família e Igreja, tem de estar
presente, envolver-se com os “materiais” que vão ser trabalhados, na
circunstância, os educandos/formandos, a partir das técnicas referenciais
utilizadas, na oportunidade, os valores da liberdade, da democracia, da
cidadania e da educação, que serão os autênticos pilares do grande edifício,
consubstanciado em toda a humanidade, a partir da congregação de todos os
cidadãos contemporâneos, todos eles no papel de educandos/formandos,
considerando que mesmo os professores/formadores, também devem continuar a
aprender ao longo da vida e, nesta circunstância, passam à condição de
educandos/formandos.
Neste processo, a qualidade superior de cidadão, no
contexto de uma cidadania plena, estará sempre presente, porque: «Educar para Cidadania será um bom projecto
para tentar encaminhar as camadas mais jovens para um futuro mais promissor do
que este que se tem vivido. O tema educar para a Cidadania deve ser abordado
pelos professores e educadores, assim como por aqueles que acompanham os jovens
no decorrer da sua vida. (…) Este tema é complexo de ser abordado e por isso
todo o processo de aprendizagem deve começar desde o início da vida da criança,
só assim os jovens poderão protestar mais tarde pelos seus direitos desde que
tenham cumprido também os seus deveres.» (TAVARES, 2005. Trabalho de
licenciatura sobre a Cultura Democrática).
O primeiro pilar, autêntico baluarte da dignidade
humana, valor essencial à vida do homem, desde sempre conhecido e nem sempre
respeitado, pode-se designar por Liberdade, porque isto mesmo é reconhecido nos
diversos tratados internacionais e nas Constituições Políticas nacionais, sob a
fórmula: “Todos os homens nascem livres e
iguais”.
A Liberdade é, então, um valor insubstituível e
objetivo: ou se tem e se usa, responsavelmente, ou não se tem, porque alguém,
prepotente e humilhantemente, impede que dela se faça uso. A Liberdade é sempre
definida a partir de um objetivo que se lhe segue sob a forma adjetivada de:
liberdade pessoal, liberdade política, liberdade de expressão, liberdade
religiosa e muitas outras formas de liberdade.
Além disso ela só se verifica perante uma relação
entre iguais. O homem, vivendo sozinho no mundo, desconheceria este valor e o
conceito que lhe está subjacente, como por exemplo: «Para uma pessoa ser livre tem de haver pelo menos duas. A liberdade
pressupõe uma relação social, uma assimetria de condições sociais:
essencialmente implica diferença social – presume e implica a presença de
divisão social. Alguns podem ser livres somente na medida em que existe uma
forma de dependência a que possam esperar fugir.» (BAUMAN, 1989:21).
Na verdade invoca-se muito a liberdade,
frequentemente para reclamar direitos, quantas vezes contra a liberdade de
outros, e o direito que lhes assiste de, também, livremente, exigirem igual
tratamento que os primeiros reivindicam.
Em princípio, todo o ser humano aspira à liberdade
sob qualquer uma das suas dimensões, todavia, muitas liberdades, na prática e
por circunstâncias diversas, naturais ou impostas, são inacessíveis à maioria
das pessoas, como a liberdade de consumo, liberdade à privacidade total,
liberdade de acesso à educação, à saúde, à justiça, ao trabalho, porque existe
um condicionalismo ou opressão, económico ou político, respetivamente, e assim: «O desejo de liberdade nasce da
experiência da opressão, isto é, da sensação de não se poder deixar de fazer o
que se preferiria não fazer (…) ou da sensação de não se poder fazer o que se
desejaria fazer.» Ibid:81).
Há, pois, um longo caminho a percorrer para que
este valor essencial da dignidade humana passe da quase utopia para a realidade
dos povos, porque enquanto houver pobres, carentes de imensos bens essenciais à
vida, a liberdade continuará, para estes, a ser uma utopia, porque tão
importante como as outras dimensões ou objetivos da liberdade, é aquela que se
prende com a capacidade de, livremente, aceder-se ao que, pelo menos, é básico.
Por isso cabe, em primeira instância, aos
governantes criarem: «A liberdade mais
como capacidade para nos governarmos a nós próprios do que como desejo de que o
governo nos deixe em paz, foi o sonho dos movimentos revolucionários que
introduziram o mundo ocidental na sua história moderna.» (Ibid:152).
Compete, depois, à família, ao professor/formador,
à Igreja e à comunidade em geral, educar para a liberdade responsável,
precisamente pelo bom uso que estes agentes da socialização dela fazem. Isto
transmite-se pelas boas-práticas presenciais, discutidas, criticadas, vividas e
sentidas pelas pessoas humanas, diretamente envolvidas, podendo esta educação
ser complementada por fórmulas, padronizadas universalmente, e transmitidas à
distância, porém, sempre controladas pelo professor/formador.
O segundo pilar ou valor que importa melhorar,
aprofundar e consolidar é a Democracia, com todos os seus princípios, regras e
valores, indissociável da liberdade, da cidadania e da religião. A democracia,
enquanto instrumento político de liberdade de escolha do povo, para o governo
das comunidades e do mundo, e que levada a uma análise mais abrangente e
simples, se conceptualizaria como: o governo do povo, pelo povo, para o povo e
com o povo.
A dificuldade em consensualizar um conceito
universal de democracia é, por enquanto, uma realidade que não se consegue
escamotear, todavia, é possível admitir algum consenso, no que respeita à sua
estirpe popular, segundo a qual, o elemento nuclear para que ela se verifique
continua a ser o povo: «Na raiz de todas
as definições de democracia, por mais refinadas e complexas, permanece a ideia
de poder popular, de uma situação em que o poder, e talvez também a autoridade,
pertencem ao povo. Esse poder ou autoridade é geralmente olhado como político,
e em consequência toma frequentemente a forma de uma ideia de soberania popular
– o povo como autoridade política básica.» (ARBLASTER, 1988:20).
A democracia, considerada no seu sentido amplo,
portanto, aplicada não só às atividades e situações políticas, mas também em
todas as intervenções humanas: interpessoais e intersociais. O democrata aceita
os valores da democracia, no respeito pelos direitos e deveres de cada cidadão
e dos seus adversários políticos, sem em circunstância alguma os caluniar,
denegrir o direito à honra e bom nome, sem intromissão na vida privada.
Claro que se
torna necessário partir de um conceito que sirva, genericamente, o homem
integrado na sociedade, desempenhando os inúmeros papéis que ao longo da via se
lhe colocam, isto é, interessa refletir, desenvolver e aplicar uma ideia de
democracia interativa, porque: «A
democracia participativa tem necessariamente implicações na vida social, e é
mais correctamente considerada um modo de viver do que apenas um artifício ou
processo político.» (Ibid:95).
Um terceiro pilar na construção de um novo cidadão,
para uma nova sociedade, mais humana, mais justa e mais solidária, fundada na
cultura dos valores cívicos, a partir de uma formação personalista e humanista,
promovida pela família, pela escola, pela Igreja e pela comunidade, é erigido
pela Cidadania, na perspectiva da liberdade responsabilizante de cada cidadão
assumir os seus deveres e exercer os seus direitos, no respeito integral por
iguais compromissos e benefícios dos seus semelhantes.
E se a cidadania implica pertença a uma comunidade
de deveres direitos, responsável e democraticamente exercidos, igualmente é
verdade que pressupõe participação esclarecida na vida comunitária, em ordem ao
bem-comum de todos, sem quaisquer exclusões de uns grupos e concessão de
privilégios para outros.
Preparar este cidadão moderno para os valores,
princípios e regras sócio-legais, nestes tempos complexos, é uma tarefa que a
todos cumpre realizar, muito embora algumas instituições possam dar um
contributo maior e mais competente, porque de contrário: «Na ausência dos recursos educacionais e económicos requeridos para
exercer os direitos civis ou legais e políticos, a cidadania fica vazia para
todos os objectivos políticos. Os direitos sociais como direitos aos serviços
sociais e à educação, dão possibilidade aos cidadãos de tomarem parte na
comunidade nacional a que o seu status lhes dá direito.» (BARBALET,
1989:109).
É, portanto, em todo este contexto que, uma vez
mais, a intervenção da educação e da formação são, sobejamente, reconhecidas
como indispensáveis, dir-se-ia mesmo, insubstituíveis, considerando, obviamente,
todos os seus componentes ativos, dos quais se destaca o binómio nuclear:
professor/formador – aluno/formando.
Pela educação e pela formação profissional se
transmitem os conhecimentos e se fomentam as boas-práticas da cidadania
competente e eficaz, daquelas se enfatizando: «Acabar com vergonhosas inversões de valores, de méritos e de
desequilíbrios entre exagerados ganhos de poucos privilegiados e ínfimos ganhos
de grande quantidade de pessoas que prestam relevantes contribuições ao país;
resgatar e desenvolver valores e princípios de comportamentos éticos em todos
os sectores da sociedade,» e nesse sentido: «Um novo e forte espírito de cidadania precisa ser desenvolvido nas
escolas, nas empresas, em maior número de comunidades, nos condomínios, nos clubes
de serviço, nas associações de bairros, nas associações de pais e mestres, nas
Igrejas, nos sindicatos.» (RESENDE, 2000: 200-02).
Um quarto pilar nesta grandiosa e magnânima
construção é lançado, justamente, pelo sistema educativo e todo o seu potencial
de recursos, destes se revelando as infra-estruturas físicas, meios financeiros
e, o mais valioso de todos, os recursos humanos, estes fortemente assumidos
pelos docentes/formadores e apoiados pelos restantes agentes educativos.
É inconcebível idealizar um projeto educativo,
mesmo que funcione indiretamente e à distância, sem os elementos humanos
essenciais como são os professores e os alunos, os formadores e os formandos,
os tutores e os tutorandos. Importa, claramente, valorizar e definir o estatuto
sócio-profissional do docente, iniciando-se este processo, por exemplo, com
uma: «Revisão dos perfis profissionais
dos professores, promovendo a diversificação e a especialização, associadas a
uma maior e mais alargada competência pedagógica, no sentido da interdisciplinaridade
e integração dos saberes.» (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1996:2).
O homem, como um todo, indivisível e único, dotado
de imensas faculdades e habilidades, pressupõe uma educação de alto nível, de
qualidade excelente, e em todas as suas intervenções, ele deve estar presente,
através da educação: física, moral, intelectual, social, económica,
profissional, cívica, politica, estética, religiosa.
A educação e formação deste novo e competente
cidadão universal, passa, imprescindivelmente, pelo ensino e formação,
quaisquer que sejam as modalidades, sendo certo que um ensino personalizado,
ecuménico, presencial e atualizado nas suas estratégias, metodologias e
avaliações justas deve manter-se em permanente aperfeiçoamento.
Com base
numa herança cultural que vem do passado, é essencial aumentar um património
tão valioso que vem sendo legado à humanidade. Isto só é possível pela
educação, pela formação, pelo estudo e pelo trabalho, porque: «Nenhuma causa é maior, nenhum programa é
mais digno de devotamento humano, do que a transmissão da herança cultural, E
nenhuma preocupação pode, por isso, sobrepujar a da humanidade pela educação da
infância e da juventude, a-fim de que, engrandecida, a fortuna cultural se
transmita, para que os homens de amanhã a desfrutem, mais a engrandeçam e a
transmitam, por sua vez, àqueles que os sucederem no tempo.» (REIS, 1965:
269-70).
Bibliografia
ARBLASTER, Anthony, (1988). A Democracia, Trad. M.F. Gonçalves de Azevedo, Lisboa: Editorial
Estampa, Temas Ciências Sociais. (7)
BARBALET, J.M., (1989). A
Cidadania. Trad. M.F. Gonçalves de Azevedo, Lisboa: Editorial Estampa,
Lda., Temas Ciências Sociais, (11) pp. 31-50.
BAUMAN, Zygmunt, (1989). A
Liberdade. Trad. M. F. Gonçalves de Azevedo, Lisboa: Editorial Estampa
MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO PORTUGUÊS, (1996). Pacto
Educativo para o Futuro (Mensagem do Ministro da Educação). Mem Martins:
Editorial do Ministério da Educação
REIS, Sólon Borges, (1965). A
Maior Herança. São Paulo: Edição da Gráfica São José.
RESENDE, Enio, (2000). O
Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda
para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark
TAVARES,
Raquel, (2005). “Cultura Democrática”, Trabalho de licenciatura em Intervenção
Social e Comunitária, 3º ano, Vila Nova de Gaia: ISPGaya – Instituto Superior
Politécnico Gaya
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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