A existência humana
nunca será totalmente autónoma, porque cada vez mais a interdependência de
pessoas, povos e nações é uma realidade, a que alguém se poderá furtar, na
medida em que é impossível suprir, individualmente, todas as necessidades,
sejam de natureza: física, psicológica, axiológica e sentimental. Haverá sempre
uma carência, cuja satisfação não depende da própria pessoa, por isso, a
importância de se estabelecerem laços interpessoais, que devem ser
fortalecidos, constantemente melhorados e consolidados.
Ao longo da vida,
vamos encontrar diversas situações, as quais, deveremos entender, resolver o
que for necessário, assumir as responsabilidades que elas impõem, compreender
as oportunidades que nos podem oferecer, eliminar tudo o que não nos diz
respeito, sempre com o cuidado de não prejudicarmos, sob qualquer forma, quem
está direta, ou indiretamente, envolvido, porquanto e no que respeita às
pessoas, toda a atenção é pouca.
O relacionamento
interpessoal ocorre desde o nascimento até à morte. Durante o período de vida
física assume diversas dimensões e intensidades. Desde os pais, irmãos e
restante família, amigos, passando pelos colegas de catequese, escola, trabalho, lazer,
associativismo.
Nas muitas e
diferentes modalidades, conquistam-se, estreitam-se, consolidam-se abandonam-se
e também se destroem valores, sentimentos, afinal, relações mais ou menos
verdadeiras, solidárias, leais, enfim, íntimas, estas no sentido mais profundo
de um amor, seja com finalidade conjugal, seja de pura amizade de amigo, se se
quiser, um grande “Amor-de-Amigo”, pelo qual se procede e desenvolve uma enorme
confiança e cumplicidade recíprocas, em que os amigos são muito mais do que
parentes muito próximos, ou colegas de uma qualquer atividade.
É muito normal que
duas pessoas, ao longo de uma convivência profissional, associativa ou outra,
durante um certo período de tempo, iniciem, aprofundem e, desejavelmente,
consolidem uma amizade que, inicialmente, começará por gestos de boa educação,
amabilidade, convívios mais a sós, projetos em comum, conversas mais íntimas,
olhares, gestos e comportamentos mais cúmplices, em que os impulsos de maior
aproximação surgem, até atingirem um patamar de relacionamento pessoal que já
envolve carinho, meiguice, contactos físicos mais íntimos.
Chegados até este
nível, as pessoas apenas desejam estar próximas, muito unidas, solidárias,
conversarem e agirem com total lealdade, sempre preocupadas com o sucesso e o
bem-estar do amigo, por ele tudo fazendo, tudo dando, com grande generosidade e
entusiasmo, para lhe agradar e manifestar um grande “Amor-de-Amigo”. As partes
comprometem-se a respeitar outros valores, eventualmente, relacionados com uma
vida familiar, com um cônjuge, filhos, pais.
A fronteira entre o
“Amor-de-Amigo” e o amor conjugal, por exemplo, está no respeito que é devido
aos cônjuges, quando eles existem e então, das duas, uma: ou se decide por uma
separação conjugal e tenta-se refazer a vida, com a pessoa por quem se tem
sentimentos de amor; ou se mantém o matrimónio, sem contudo se abandonar os
sentimentos e atitudes relativamente ao amigo, não ultrapassando, nunca, a
linha que separa as duas situações, ou seja: a relação assente naquele amor
manter-se-á nos moldes em que foi estabelecida, vivida de comum acordo,
consolidada a um nível que não prejudica a felicidade conjugal, antes pelo
contrário, acrescenta mais ventura, em termos de carinho, consideração e estima
bem como o tal “Amor-de-Amigo”. Uma felicidade paralela.
Ter um amigo,
assente num sentimento tão nobre, quanto puro, como é o “Amor-de-Amigo”,
constitui, nos dias de hoje, um privilégio que, de facto, não está acessível a
mentes preconceituosas, a personalidades mesquinhas, a pessoas que se deixam
conduzir pela inveja, aversão e hostilidade aos relacionamentos íntimos. Este
novo sentimento é um grande passo para as boas e sinceras relações humanas.
Note-se que o
relacionamento íntimo entre dois amigos, de sexos opostos, que se amam, nada
tem a ver com a relação matrimonial, própria dos casais que, estes sim, atingem
e desfrutam, reciprocamente, de um outro amor, que vai da paixão à entrega
total, em circunstâncias únicas, que se verificam e culminam na relação sexual
amorosa e apaixonada, na defesa e proteção dos filhos e na construção de um
projeto de vida familiar, ou seja: o amor na dimensão mais direcionada para a
construção e manutenção de um casamento e do respetivo lar, com tudo o que esta
situação implica: axiológica, psicológica, profissional e material.
Como em tudo na
vida, importa que se assumam as: promessas, compromissos, valores, sentimentos
e emoções, sem medos, com clareza, honestidade, na defesa das causas em que
acreditamos, na assunção serena e firme das responsabilidades pelos nossos
atos, tanto mais verdadeiros, quanto mais convictas são as nossas atitudes,
para com um parceiro que conquistamos e elegemos como nosso amigo especial.
A partir de um
certo período de tempo, durante o qual se estreitam relações, se aprofundam e
exercem sentimentos, que conduzem à prática de um comportamento muito
atencioso, corroborado com manifestações reiteradas de gestos carinhosos, com a
troca de cumprimentos e saudações mais afetuosos, onde se podem incluir o
abraço e o beijo, próprios de um grande “Amor-de-Amigo”, ficam criadas as
condições para uma amizade eterna, que deverá ser defendida e preservada pelos
valores da solidariedade, lealdade, reciprocidade, cumplicidade,
confiabilidade, verdade e honestidade.
Nestas
circunstâncias, foram criadas profundas expectativas e alimentado um projeto de
vida que terá por objetivos: o desenvolvimento de uma inequívoca parceria para
a construção de uma nova e desejável felicidade, que tanto pode ser única, como
paralela e enriquecedora de outra que, por via do matrimónio e respetiva
família – cônjuge e filhos -, já existia, que se deseja manter, ou então se
pretende terminar, porém, em qualquer dos caos, aquela parceria, firmada num
autêntico “Amor-de-Amigo”, deverá manter-se e ser sempre melhorada.
Os comportamentos,
estratégias e métodos que, a partir de determinada altura, um dos parceiros
começa por utilizar, em ordem a destruir um grande “Amor-de-Amigo”, sem que
para isso a outra parte tenha contribuído e/ou desejado, poderá configurar uma
injusta e inaceitável traição aos princípios, valores, sentimentos e emoções,
desde sempre manifestados pelo amigo, agora enganado, o que será considerado
como uma profunda crueldade, e suscitar a dúvida sobre se, realmente, por parte
de quem assim procede, alguma vez foi, realmente, solidário, amigo e leal.
Quem é vítima de
tamanha deslealdade, seguramente que fica, indelevelmente, magoado, talvez para
o resto da vida, o sofrimento e o desgosto apoderam-se da pessoa agora
humilhada, quem sabe se hostilizada, maltratada pela indiferença, rejeição,
falta de estima, consideração e carinho, pelo até então considerado amigo
especial que, pensando que já não mais precisa daquele que sempre esteve e,
eventualmente, continua a estar do seu lado, afastando-se, agora,
desumanamente.
As sequelas de uma
tal desfeita, materializada em atitudes de indiferença, desconsideração e
rejeição, são incalculáveis e, contingentemente, irreversíveis. A pessoa que
confiou tudo noutra, a quem tudo deu, do que tinha e não tinha, que manteve um
relacionamento de sincero “Amor-de-Amigo”, que manifestou intenso carinho,
ternura sem limites e inequívocas: solidariedade, amizade e lealdade, quando se
sente afastada, por quem julgava ser seu amigo especial, pode, inclusivamente,
cometer alguma loucura porque a humilhação, a indiferença, a deslealdade e a rejeição
aniquilam: psicológica, espiritual e fisicamente.
O mundo e a vida
reservam-nos imensas surpresas e, mais tarde ou mais cedo, o “Tribunal da Nossa
Consciência”, não nos negará Justiça. É possível que o arrependimento surja, os
remorsos nos atormentem, porque o passado ficará para sempre inscrito na nossa
memória, dele não vamos escapar enquanto tivermos conhecimento da nossa
identidade existencial.
O sofrimento e o
desgosto são tanto mais dolorosos quando partem, precisamente: das pessoas de
quem mais gostamos; por quem tínhamos um sincero e inequívoco “Amor-de-Amigo”;
a quem nós, confiantemente, nos entregamos; a quem nós confessamos os nossos
desejos, dificuldades, problemas, alegrias, tristezas; a quem mais dedicamos
total solidariedade, amizade, lealdade e dádiva dos nossos valores, sentimentos
e emoções. Quando assim acontece, sentimo-nos traídos, vexados e uns joguetes
nas mãos de quem nos utilizou, com tanta impiedade e desumanidade.
A vida não poderá
correr bem a quem atraiçoa princípios, valores, sentimentos e amigos. Tem de
haver uma forma de se fazer justiça, independentemente da vontade das vítimas.
É certo que quem sempre esteve de boa-fé num relacionamento, quem tem bons
princípios, valores e sentimentos puros, verdadeiros e nobres, nunca será
inimigo daquelas pessoas que, agora, nos desconsideram, nos humilham e nos
afastam de suas vidas, mas a mágoa, a dor, o sofrimento e o desgosto ficam para
sempre e, realmente, podem conduzir a alguma situação irreversível.
Por vezes,
incompatibilizamo-nos com outras pessoas, justamente para sermos fiéis,
solidários e leais àquelas por quem temos uma amizade muito profunda. Acontece,
inclusivamente, recursarmos trabalhar com pessoas que ofendem, que desvalorizam
e que, injustamente, comprometem o trabalho de quem nós tínhamos por amigos,
porque não se pode, nem deve, ser amigo de quem não é amigo do nosso amigo.
Assumam-se,
portanto, comportamentos que sejam solidários, que revelem que estamos
firmemente do lado de quem gostamos, se preciso for, contra tudo e contra
todos. Ora, quando esta nossa dedicação é desvalorizada e aquelas pessoas, por
quem demos tudo, afinal, continuam a conviver, a pactuar, com as que as
prejudicaram, isso revela querer conviver com todos, atraiçoando os nossos
valores de solidariedade, amizade e lealdade.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário