domingo, 26 de janeiro de 2014

Harmonia de Género


A sociedade moderna (2014) vive um período complexo, com novos valores, a todos os níveis: individuais, familiares, comunitários e globais. O que hoje se critica como “errado”, amanhã poderá estar “certo”. Existe como que uma instabilidade axiológica que, por vezes, conduz a juízos de valor injustos, infundamentados e imorais. O que ontem era “verdade”, hoje poderá ser “mentira”. O contrário também se poderá colocar. Vive-se o momento presente com a maior intensidade possível, “não vá o mundo acabar”.
Corre-se atrás de um certo materialismo que, após obtido, sem se olhar a meios, rapidamente satisfaz a voracidade de alguns em prejuízo das necessidades mais elementares de muitos outros. Mulheres e Homens, crianças e idosos, sofrem as consequências deste turbilhão de incertezas, de vicissitudes e incompreensões.
De facto o mundo é da humanidade, que está acompanhada de outros seres animais e vegetais, mas são as Mulheres e os Homens que comandam o planeta que habitam, pelo menos enquanto não se conhecem outros seres mais poderosos, excluindo aqui, obviamente, a Natureza.
Evidentemente que, para os objetivos desta reflexão não se consideraram outras forças poderosíssimas e os fenómenos que delas emanam. O equilíbrio entre todos os habitantes da terra constitui um imperativo, sendo certo que o contrário prejudica quem se envolve em comportamentos imprudentes.
Circunscrevendo-se este pensamento à Mulher e ao Homem, na verdade também entre estes dois seres racionais, nem sempre se tem verificado a harmonia necessária, frequentemente com prejuízo para a Mulher. Poderá haver, para alguns, uma complementaridade e desde que um casal, uma equipa, ou qualquer outro conjunto de pessoas funcionem para determinados objetivos, com bons resultados, então dizem que tudo decorreu na perfeição; para outros, importará mais o equilíbrio e/ou a harmonia, podendo-se, assim, chegar a idênticos resultados, sejam só mulheres, ou apenas homens que estão envolvidas/os no projeto, incluindo o matrimónio.
Será importante refletir na harmonia de género, na perspectiva e/ou a partir da igualdade que deverá existir entre uma Mulher e um Homem e aqui sim, a partir dessa identidade poderá afirmar-se que são possíveis todos os projetos, parcerias e destinos comuns. É sabido que ao longo dos séculos a Mulher não tem sido considerada como uma parte imprescindível ao bom funcionamento da humanidade, precisamente devido ao domínio masculino, que em todas as frentes se tem verificado.
Numa certa perspectiva aponta-se para o: «Conceito que significa, por um lado, que todos os seres humanos são livres de desenvolver as suas capacidades pessoais e de fazer opções, independentes dos papéis atribuídos a homens e mulheres, e, por outro, que os diversos comportamentos, aspirações e necessidades de mulheres e homens são igualmente considerados e valorizados.» (CIDM 2004:162). Provavelmente, um entre outros fatores que poderão estar na turbulência mundial é, justamente, esta situação de desvalorização do papel da Mulher e da dignidade que, enquanto pessoa, lhe deve ser, inequivocamente, reconhecida.
A sociedade masculinizada não terá nada a perder, bem pelo contrário, só ganhará quando assumir a determinação de abrir-se à Mulher, integrando-a, plenamente, em todos os domínios. Aliás, até parece um paradoxo, o facto de a Mulher estar no mundo, em maioria, e ainda não ter querido e/ou conseguido impor-se, o que revela, afinal, a sua imensa grandeza e generosidade axiológicas.
Por outro lado, a situação que se tem vivido, com a predominância do Homem nos mais diversos setores, em nada abona a sua posição no mundo. Este domínio resulta de estudos científicos, na área da política: por exemplo, em Portugal, nas eleições autárquicas de 2001, das 308 Câmaras Municipais, apenas 16 eram presididas por Mulheres (5,2%). (cf. CIDM, op. cit.:104).
Quando se aborda a harmonia de género, a partir da igualdade entre mulheres e homens, obviamente que não se pretende uma igualdade absoluta, nem tal seria possível e/ou desejável, desde logo devido a fatores de constituição física e biológica. Também a igualdade formal, a que resulta da aplicação da lei, poderá, em certas circunstâncias, ser pouco praticável e/ou pelo menos de difícil realização, na medida em que não se pode tratar de igual modo o que é diferente. Por exemplo, no domínio da justiça haverá critérios que se aplicam diferentemente a mulheres e a homens, designadamente no cumprimento das penas, quando a Mulher tem filhos pequenos à sua guarda, entre muitas outras situações.
A harmonia e compreensão entre mulheres e homens há-de resultar da aceitação de determinados princípios, um dos quais, segundo a juíza conselheira de S. Tomé e Príncipe, «A verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente indivíduos desiguais e na proporção dessa desigualdade. Assim, os fracos terão direito a um regime de protecção, e os fortes, protegidos por suas riquezas, contentar-se-ão com um regime de liberdade. A igualdade ordena que cada um seja tratado de acordo com o que ele é e que haja tratamentos diferentes. Sem dúvida não é uma tarefa sem graves dificuldades e organizado da justiça distributiva.» (CARVALHO, 1990:79).
O que acima está citado para a justiça, pode-se aplicar no que respeita à mulher e ao homem, quando se reflete em situações de violência contra a mulher praticada pelo homem. Certamente que neste contexto a mulher, na maior parte das vezes, é a parte mais fraca.
Tudo leva a crer que a Mulher e o Homem, nas suas especificidades, são essenciais em partes iguais, pese embora a maioria, ainda que pouco relevante, em que se encontram as mulheres, para a resolução dos inúmeros problemas que afetam a humanidade. Não pode, portanto, a Mulher ficar de braças cruzados sempre que o homem dificulta a sua participação, seja qual for a área de intervenção que, como já foi referido, não podia deixar de fora a própria justiça, esta aqui considerada um serviço difícil, mas também altruísta para todos os que têm de a aplicar.
Respeitar, sem tibiezas, as decisões justas que vão sendo proferidas pelos responsáveis das diversas instituições, quando, antecipadamente, se sabe que elas vão contribuir para a harmonia de género e para o bem-estar da humanidade, afigura-se, desde já, um comportamento responsável e meritório.
A Mulher e o Homem, em igualdade de participação, segundo, certamente, as suas diferenças naturais, resolvem a maior parte dos problemas, eventualmente, no seio das próprias famílias de que fazem parte. Impõe-se, portanto, derrubar as mentalidades das “superioridades”, sejam elas masculinas, sejam, num ou noutro caso, femininas.
A sociedade, ainda fortemente masculinizada, tem de compreender o papel cada vez mais relevante da Mulher, cada vez em mais domínios de intervenção, não adiantando nada colocar “barreiras” a este avanço justo que ao longo das últimas décadas a Mulher vem conseguindo. Pelo contrário, a humanidade só terá a ganhar com a união de esforços dos dois géneros, tendo por objetivo o bem-comum.
Além disto ninguém pode ignorar o papel crucial da Mulher quando ela assume, verdadeiramente, a função mais nobre que qualquer ser humano pode conseguir na vida: gerar no seu próprio ventre outro ser que vem dar sentido à vida dela e do seu parceiro progenitor e, depois, ao enriquecimento da família.
Na verdade: «Com efeito a intimidade da relação mãe-criança é tão estreita que poderemos considerá-la a unidade básica do sistema social a que chamamos parentesco. O segundo ponto é que, durante os primeiros anos, pelo menos, a relação como o pai parece ser de importância secundária. É importante para a segurança e a saúde mental da mãe, e, através dela, da criança, que possa contar com o apoio e a segurança de um homem.» (GOLDTHORPE, 1977:87).
Verifica-se, assim, que nem a Mulher pode prescindir do Homem nem este daquela. Apesar desta evidência, parte significativa da comunidade masculina, não conseguiu, ainda, ultrapassar certos preconceitos que herdou do passado, o que tem dificultado as boas-práticas de procedimentos de igualdade de género.
Vem chegando à opinião pública, e às escolas, algumas iniciativas, ainda tímidas, quanto à formação dos cidadãos para esta temática, reconhecendo-se, todavia, existirem muitas resistências que, nesta sociedade, dita pós-moderna, já não fazem sentido.
A solução para as situações do não reconhecimento da igualdade de género, no que é possível, passa, em primeira instância, pela educação/formação, o mais cedo possível, na vida de cada pessoa; também pela especialização de professores/formadores; pela elaboração e disponibilização de material didático a utilizar nas diversas idades; pelas boas-práticas no seio das famílias.
Ainda que haja quem pretenda menosprezar as funções da família, devido a várias circunstâncias, desde logo as imensas dificuldades que se colocam aos jovens, a verdade é que: «É ao grupo família que cabe um dos primeiros lugares, porque, no quotidiano, são os membros da família que asseguram, desde a mais tenra infância, a continuidade do nosso desenvolvimento.» (ANGERS, 2003:56).
Significa isto que o desenvolvimento para a igualdade de género, entre outras características, deve passar pela família, no seio da qual, mulheres e homens, serão tratadas/os de igual forma, apenas se respeitando as suas especificidades biofísicas.
A harmonia de género nasce, portanto, neste núcleo coeso que é (ou deve ser) a família e que, posteriormente, quando cada elemento assume a sua liberdade individual, irá preparado para respeitar o género oposto. Dificilmente se obterá a harmonia por outro processo.
Claro que a harmonia de género passa, necessariamente, por outras exigências, nomeadamente a igualdade de oportunidades. Discriminar, preconceituosamente, no acesso a uma determinada atividade, quaisquer outras pessoas, pelo facto de serem do género feminino ou masculino, é uma atitude, no mínimo, inaceitável, injusta e ilegal.
O acto discriminatório verifica-se mais durante o processo de recrutamento: «As entrevistas com as candidatas a um emprego assumem uma grande importância. Não é raro que as mulheres tenham de se defender ao longo da entrevista, contra os preconceitos que decorrem da repartição tradicional dos papeis entre os homens e as mulheres, ou de outros preconceitos que revelam que os responsáveis põem em dúvida a importância dada pelas mulheres à sua vida profissional, quando não mesmo a própria competência das mulheres para assumirem certos postos e funções.» (ROMÃO, 2000:63).

Bibliografia

ANGERS, Maurice, (2003). A Sociologia e o Conhecimento de Si. Uma outra maneira de nos conhecermos graças à Sociologia. Trad. Maria Carvalho. Lisboa: Instituo Piaget.
CARVALHO, Maria Alice Vera Cruz de, (Juíza Conselheira de S. Tomé e Príncipe), in FÉRIA Maria Teresa; ESTRELA, Isabel; FERRO, Gracinda, (1990). Os Direitos à Igualdade, I Encontro de Mulheres Juristas dos Países Lusófonos, 12, 13, 14 de Outubro de 1990, Lisboa: Centro de Estudos judiciários.
CIDM, (2004). A Igualdade de Género em Portugal, 2003. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. Presidência do Conselho de Ministros.
GOLDTHORPE, J. E., (1977). Sociologia e Antropologia Social: Uma Introdução. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
ROMÃO, Isabel, (2000). A Igualdade de Oportunidades nas Empresas. Gerir para a Competitividade. Gerir para o Futuro. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres – Presidência do Conselho de Ministros. Coleção Bem-estar, Nº 1

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

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