A
sociedade moderna (2014) vive um período complexo, com novos valores, a todos
os níveis: individuais, familiares, comunitários e globais. O que hoje se
critica como “errado”, amanhã poderá
estar “certo”. Existe como que uma
instabilidade axiológica que, por vezes, conduz a juízos de valor injustos,
infundamentados e imorais. O que ontem era “verdade”,
hoje poderá ser “mentira”. O
contrário também se poderá colocar. Vive-se o momento presente com a maior
intensidade possível, “não vá o mundo
acabar”.
Corre-se
atrás de um certo materialismo que, após obtido, sem se olhar a meios,
rapidamente satisfaz a voracidade de alguns em prejuízo das necessidades mais
elementares de muitos outros. Mulheres e Homens, crianças e idosos, sofrem as
consequências deste turbilhão de incertezas, de vicissitudes e incompreensões.
De
facto o mundo é da humanidade, que está acompanhada de outros seres animais e
vegetais, mas são as Mulheres e os Homens que comandam o planeta que habitam,
pelo menos enquanto não se conhecem outros seres mais poderosos, excluindo
aqui, obviamente, a Natureza.
Evidentemente
que, para os objetivos desta reflexão não se consideraram outras forças
poderosíssimas e os fenómenos que delas emanam. O equilíbrio entre todos os
habitantes da terra constitui um imperativo, sendo certo que o contrário
prejudica quem se envolve em comportamentos imprudentes.
Circunscrevendo-se
este pensamento à Mulher e ao Homem, na verdade também entre estes dois seres
racionais, nem sempre se tem verificado a harmonia necessária, frequentemente
com prejuízo para a Mulher. Poderá haver, para alguns, uma complementaridade e
desde que um casal, uma equipa, ou qualquer outro conjunto de pessoas funcionem
para determinados objetivos, com bons resultados, então dizem que tudo decorreu
na perfeição; para outros, importará mais o equilíbrio e/ou a harmonia,
podendo-se, assim, chegar a idênticos resultados, sejam só mulheres, ou apenas
homens que estão envolvidas/os no projeto, incluindo o matrimónio.
Será
importante refletir na harmonia de género, na perspectiva e/ou a partir da
igualdade que deverá existir entre uma Mulher e um Homem e aqui sim, a partir
dessa identidade poderá afirmar-se que são possíveis todos os projetos,
parcerias e destinos comuns. É sabido que ao longo dos séculos a Mulher não tem
sido considerada como uma parte imprescindível ao bom funcionamento da
humanidade, precisamente devido ao domínio masculino, que em todas as frentes
se tem verificado.
Numa
certa perspectiva aponta-se para o: «Conceito
que significa, por um lado, que todos os seres humanos são livres de
desenvolver as suas capacidades pessoais e de fazer opções, independentes dos
papéis atribuídos a homens e mulheres, e, por outro, que os diversos
comportamentos, aspirações e necessidades de mulheres e homens são igualmente
considerados e valorizados.» (CIDM 2004:162). Provavelmente, um entre
outros fatores que poderão estar na turbulência mundial é, justamente, esta
situação de desvalorização do papel da Mulher e da dignidade que, enquanto
pessoa, lhe deve ser, inequivocamente, reconhecida.
A
sociedade masculinizada não terá nada a perder, bem pelo contrário, só ganhará
quando assumir a determinação de abrir-se à Mulher, integrando-a, plenamente,
em todos os domínios. Aliás, até parece um paradoxo, o facto de a Mulher estar
no mundo, em maioria, e ainda não ter querido e/ou conseguido impor-se, o que
revela, afinal, a sua imensa grandeza e generosidade axiológicas.
Por
outro lado, a situação que se tem vivido, com a predominância do Homem nos mais
diversos setores, em nada abona a sua posição no mundo. Este domínio resulta de
estudos científicos, na área da política: por exemplo, em Portugal, nas
eleições autárquicas de 2001, das 308 Câmaras Municipais, apenas 16 eram
presididas por Mulheres (5,2%). (cf. CIDM, op. cit.:104).
Quando
se aborda a harmonia de género, a partir da igualdade entre mulheres e homens,
obviamente que não se pretende uma igualdade absoluta, nem tal seria possível
e/ou desejável, desde logo devido a fatores de constituição física e biológica.
Também a igualdade formal, a que resulta da aplicação da lei, poderá, em certas
circunstâncias, ser pouco praticável e/ou pelo menos de difícil realização, na
medida em que não se pode tratar de igual modo o que é diferente. Por exemplo,
no domínio da justiça haverá critérios que se aplicam diferentemente a mulheres
e a homens, designadamente no cumprimento das penas, quando a Mulher tem filhos
pequenos à sua guarda, entre muitas outras situações.
A
harmonia e compreensão entre mulheres e homens há-de resultar da aceitação de
determinados princípios, um dos quais, segundo a juíza conselheira de S. Tomé e
Príncipe, «A verdadeira igualdade
consiste em tratar desigualmente indivíduos desiguais e na proporção dessa
desigualdade. Assim, os fracos terão direito a um regime de protecção, e os
fortes, protegidos por suas riquezas, contentar-se-ão com um regime de
liberdade. A igualdade ordena que cada um seja tratado de acordo com o que ele
é e que haja tratamentos diferentes. Sem dúvida não é uma tarefa sem graves
dificuldades e organizado da justiça distributiva.» (CARVALHO, 1990:79).
O
que acima está citado para a justiça, pode-se aplicar no que respeita à mulher
e ao homem, quando se reflete em situações de violência contra a mulher
praticada pelo homem. Certamente que neste contexto a mulher, na maior parte
das vezes, é a parte mais fraca.
Tudo
leva a crer que a Mulher e o Homem, nas suas especificidades, são essenciais em
partes iguais, pese embora a maioria, ainda que pouco relevante, em que se
encontram as mulheres, para a resolução dos inúmeros problemas que afetam a
humanidade. Não pode, portanto, a Mulher ficar de braças cruzados sempre que o
homem dificulta a sua participação, seja qual for a área de intervenção que,
como já foi referido, não podia deixar de fora a própria justiça, esta aqui
considerada um serviço difícil, mas também altruísta para todos os que têm de a
aplicar.
Respeitar,
sem tibiezas, as decisões justas que vão sendo proferidas pelos responsáveis
das diversas instituições, quando, antecipadamente, se sabe que elas vão
contribuir para a harmonia de género e para o bem-estar da humanidade,
afigura-se, desde já, um comportamento responsável e meritório.
A
Mulher e o Homem, em igualdade de participação, segundo, certamente, as suas
diferenças naturais, resolvem a maior parte dos problemas, eventualmente, no
seio das próprias famílias de que fazem parte. Impõe-se, portanto, derrubar as
mentalidades das “superioridades”,
sejam elas masculinas, sejam, num ou noutro caso, femininas.
A
sociedade, ainda fortemente masculinizada, tem de compreender o papel cada vez
mais relevante da Mulher, cada vez em mais domínios de intervenção, não
adiantando nada colocar “barreiras” a
este avanço justo que ao longo das últimas décadas a Mulher vem conseguindo.
Pelo contrário, a humanidade só terá a ganhar com a união de esforços dos dois
géneros, tendo por objetivo o bem-comum.
Além
disto ninguém pode ignorar o papel crucial da Mulher quando ela assume,
verdadeiramente, a função mais nobre que qualquer ser humano pode conseguir na
vida: gerar no seu próprio ventre outro ser que vem dar sentido à vida dela e
do seu parceiro progenitor e, depois, ao enriquecimento da família.
Na
verdade: «Com efeito a intimidade da
relação mãe-criança é tão estreita que poderemos considerá-la a unidade básica
do sistema social a que chamamos parentesco. O segundo ponto é que, durante os
primeiros anos, pelo menos, a relação como o pai parece ser de importância
secundária. É importante para a segurança e a saúde mental da mãe, e, através
dela, da criança, que possa contar com o apoio e a segurança de um homem.» (GOLDTHORPE,
1977:87).
Verifica-se,
assim, que nem a Mulher pode prescindir do Homem nem este daquela. Apesar desta
evidência, parte significativa da comunidade masculina, não conseguiu, ainda,
ultrapassar certos preconceitos que herdou do passado, o que tem dificultado as
boas-práticas de procedimentos de igualdade de género.
Vem
chegando à opinião pública, e às escolas, algumas iniciativas, ainda tímidas,
quanto à formação dos cidadãos para esta temática, reconhecendo-se, todavia,
existirem muitas resistências que, nesta sociedade, dita pós-moderna, já não
fazem sentido.
A
solução para as situações do não reconhecimento da igualdade de género, no que
é possível, passa, em primeira instância, pela educação/formação, o mais cedo
possível, na vida de cada pessoa; também pela especialização de
professores/formadores; pela elaboração e disponibilização de material didático
a utilizar nas diversas idades; pelas boas-práticas no seio das famílias.
Ainda
que haja quem pretenda menosprezar as funções da família, devido a várias
circunstâncias, desde logo as imensas dificuldades que se colocam aos jovens, a
verdade é que: «É ao grupo família que
cabe um dos primeiros lugares, porque, no quotidiano, são os membros da família
que asseguram, desde a mais tenra infância, a continuidade do nosso
desenvolvimento.» (ANGERS, 2003:56).
Significa
isto que o desenvolvimento para a igualdade de género, entre outras características,
deve passar pela família, no seio da qual, mulheres e homens, serão tratadas/os
de igual forma, apenas se respeitando as suas especificidades biofísicas.
A
harmonia de género nasce, portanto, neste núcleo coeso que é (ou deve ser) a
família e que, posteriormente, quando cada elemento assume a sua liberdade
individual, irá preparado para respeitar o género oposto. Dificilmente se
obterá a harmonia por outro processo.
Claro
que a harmonia de género passa, necessariamente, por outras exigências,
nomeadamente a igualdade de oportunidades. Discriminar, preconceituosamente, no
acesso a uma determinada atividade, quaisquer outras pessoas, pelo facto de
serem do género feminino ou masculino, é uma atitude, no mínimo, inaceitável,
injusta e ilegal.
O
acto discriminatório verifica-se mais durante o processo de recrutamento: «As entrevistas com as candidatas a um
emprego assumem uma grande importância. Não é raro que as mulheres tenham de se
defender ao longo da entrevista, contra os preconceitos que decorrem da
repartição tradicional dos papeis entre os homens e as mulheres, ou de outros
preconceitos que revelam que os responsáveis põem em dúvida a importância dada
pelas mulheres à sua vida profissional, quando não mesmo a própria competência
das mulheres para assumirem certos postos e funções.» (ROMÃO, 2000:63).
Bibliografia
ANGERS, Maurice, (2003).
A Sociologia e o Conhecimento de Si. Uma outra maneira de nos conhecermos
graças à Sociologia. Trad. Maria Carvalho. Lisboa: Instituo Piaget.
CARVALHO,
Maria Alice Vera Cruz de, (Juíza Conselheira de S. Tomé e Príncipe), in FÉRIA
Maria Teresa; ESTRELA, Isabel; FERRO, Gracinda, (1990). Os Direitos à
Igualdade, I Encontro de Mulheres Juristas dos Países Lusófonos, 12, 13, 14 de
Outubro de 1990, Lisboa: Centro de Estudos judiciários.
CIDM,
(2004). A Igualdade de Género em Portugal, 2003. Lisboa: Comissão para a
Igualdade e para os Direitos das Mulheres. Presidência do Conselho de
Ministros.
GOLDTHORPE, J. E., (1977). Sociologia e Antropologia Social:
Uma Introdução. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
ROMÃO, Isabel, (2000). A Igualdade de Oportunidades nas
Empresas. Gerir para a Competitividade. Gerir para o Futuro. Lisboa: Comissão
para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres – Presidência do Conselho de
Ministros. Coleção Bem-estar, Nº 1
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
E-mail: bartolo.profuniv@mail.pt
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)
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