O homem é um fim, não um
meio, para a concretização de uma dignidade universal e única e,
simultaneamente, o lugar exclusivo da eticidade. A pessoa é, desde logo, uma
realidade ética, o centro da irradiação dos valores morais e, na sua
transmissão, cada sujeito humano é, também, um elo da corrente intersubjetiva
que, num comportamento de reciprocidade, proporciona a difusão dos princípios
fundamentais da convivência humana.
A ética é, seguramente, a
base normativa da tarefa do homem-ser-homem, inviolável, intimamente pessoal, a
que nenhuma autoridade terrena tem acesso. A ética, como disciplina normativa
do foro íntimo de cada ser humano, subordina a si todas as demais disciplinas
práticas e, tanto mais, quanto mais íntima e direta é a relação destas com o
humano.
Mas o homem é, também, um
ser-com-os-outros, numa atitude dialógica permanente e, como tal, protagonista
de inúmeras atividades, especificamente humanas. A atividade política é, nesse
contexto heterogéneo, uma vertente ou dimensão do homem que, não o
globalizando, nem o substancializando, não deixa, porém, de ser uma componente
importante, na caraterização do seu todo.
A política radica no
aspeto social do homem e constitui a síntese da ação e instituição, em ordem à
convivência social no seu mais alto nível, referenciada ao Poder. A comunidade
política existe para fomentar o Bem-comum, no qual está a sua plena
justificação, sentido e legitimidade.
Sendo a política uma
dimensão eminentemente humana, então o homem é o seu núcleo fundamentador e
difusor, centro da comunidade política e, perante esta, o homem torna-se
cidadão, com obrigações e responsabilidades, paritariamente, com direitos, em
que os interesses particulares se devem submeter ao interesse geral, consubstanciado
no Bem-comum.
O Poder Político é
oriundo do homem, o vínculo natural que garante a coesão do corpo social e,
como tal, também ele justificado, desde que organizado para corporizar o
Bem-comum, este, essência inalienável da legitimação daquela. A comunidade
política, como realidade histórica, assume diversas formas na sua estrutura,
podendo distinguir-se nela três aspetos fundamentais: o Bem-comum, o Direito e
a Autoridade que, no seu conjunto, definem o Estado.
Sinteticamente, pode-se
aceitar que o Bem-comum é a finalidade última do Estado; o Direito objetiva e
define o poder político, através da Lei à qual devem obedecer a Administração e
os particulares; o livre exercício das atividades sociais, garantido pelas
leis, é fiscalizado pelas autoridades, as quais resultam da organização do
Estado, no seu aspeto material, enquanto que, como valor, a Autoridade
reveste-se de uma exigência imanente da comunidade política.
Através da Autoridade
podem-se coordenar os esforços dos cidadãos, em ordem ao Bem-comum, porque a
Autoridade funda-se na natureza humana, pertence, segundo alguns, à ordem
fixada por Deus e, assim, constitui dever de qualquer cidadão, colaborar na
eleição livre do seu governo e a determinação do regime político, mais adequado
à prossecução do Bem-comum.
A Política e a Ética não
podem, em situação alguma, incompatibilizar-se na fundamentação de uma dinâmica
sociomoral, que ao homem cabe promover. Na verdade, as relações politica-ética
podem ser analisadas numa perspectiva puramente histórica, e então poder-se-á
afirmar que na origem da ética política está a cultura greco-romana, na
simbiose da filosofia grega com o direito romano, de resto, já em Platão se
verifica uma primeira síntese da teoria política.
Nem sempre foram de igual
forma as relações entre a ética e a política: tendo uns, defendido o primado
daquela (Platão, Santo Agostinho); enquanto outros, preferem dar primazia à
política (Aristóteles, Maquiavel); finalmente, ainda há aqueles que,
ecleticamente, pretendem conciliar as duas posições, ou seja: o social e o
político são reduzidos às fronteiras do humano e do secular, sem qualquer
abertura a Deus e ao Seu projecto (Hobbes, Rousseau). Mais recentemente, Kant
manifesta-se a favor da Lei Moral, como imperativo categórico, que determina no
homem a vontade à ação, independentemente de todos os motivos materiais.
Nos dias de hoje,
coloca-se, também, a questão de se saber se o progresso moral e espiritual
acompanha a evolução técnico-material. Com efeito, a descoberta de técnicas que
ainda há bem poucas décadas seriam uma utopia, e a consequente aplicação
prática, revelam até que ponto pode a grandeza do homem chegar, todavia, tal
grandeza será ela por si só dignificante do homem como pessoa, ou pelo
contrário, conduzirá à escravidão e humilhação do mesmo homem que a desenvolve?
Esta é que é a questão fulcral que se coloca face a este manancial tecnológico,
que se vem construindo ao longo das últimas décadas e continua imparável.
Naturalmente que tais
posições pessimistas e derrotistas são contrárias ao otimismo cristão, pelo
qual se pode responder com uma atitude de valorização da tecnologia e do
progresso material, acompanhando-os, em igual dimensão, da praxis ética,
colocando em relevo as virtualidades dos atos moralmente bons, positivamente
apoiados na certeza da consciência moral, defendendo constantemente os mais
elementares direitos naturais e valores humanos, concretamente: o direito à
liberdade de consciência e de religião; o direito de livre escolha da educação
dos filhos; o direito de associação, entre outros.
O progresso
técnico-material será sempre uma conquista do homem e que se deseja em
crescendo, desde que em ordem ao Bem-comum, resolvendo as situações dos mais
desfavorecidos.
A relação entre a Ética e
a Política parte, também e desde sempre, da família, núcleo anterior a todo o
Direito positivo, célula fundamental da constituição e manutenção da sociedade.
A Ética na família deve sobrepor-se à política na família, quando tal política
colide com os princípios éticos, isto é, quando a natureza daquela é puramente
ideológico-material, porque afinal é na família de hoje que residem o Governo e
a Autoridade de amanhã, e são os homens responsáveis do presente que devem
preparar os dirigentes do futuro.
Numa apreciação política
e sob o ponto de vista ético, pode-se salientar a importância da Ética sobre a
Técnica, na medida em que parece que grande parte das atuais estratégias
políticas, pretendem fundamentar na técnica as suas medidas, procurando reduzir
ao projeto tecnológico toda a dimensão dos interesses do homem, fomentando-se
muito uma nova mentalidade tecnocrata, ou seja, fazendo girar à volta dos
técnicos todas as panaceias para os males da modernidade.
É nesta confusão mental
que residiram os grandes conflitos do século XX, a maior parte dos quais já
passaram para este novo século XXI. Jamais poderá haver progresso tecnológico
em ordem ao Bem-comum sem os suportes da Ética e da Política, cimentados numa
cultura ocidental (desejavelmente, cada vez mais interculturalmente universal)
de defesa da suprema dignidade da pessoa humana.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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