Contrariamente aos
restantes animais, que apenas possuem um território, o homem vive aberto a um
cosmos ilimitado, ecumenicamente organizado em sociedade, modo natural da
convivência humana. Esta necessidade de viver em sociedade, prende-se com a
fragilidade física do ser humano, frente aos animais que com ele coabitam o
espaço terrestre, assim como para melhor poder enfrentar os fenómenos da
natureza, que por vezes lhe são adversos.
Na pluralidade de formas
da sociedade humana, no que respeita à vida social de cada indivíduo,
correspondem vínculos sociais que têm a sua origem numa convivência direta,
desde logo se destacando a família, integrada numa comunidade, a sociedade
religiosa ou Igreja, a sociedade política ou Estado.
Começa, então, por haver
uma ligação homem-mundo, que é uma relação constitutiva, porque o homem deve
viver em contacto com o mundo, transformá-lo e humanizá-lo. O mundo sem o homem
seria impensável, careceria de sentido, seria fechado em si mesmo, sem história,
por isso, nesta relação, o primado vai para o homem, cujo sentido de vida não
se esgota nesta relação com o mundo o qual, por sua vez, está perante o homem
como realidade independente dele, possuindo um dinamismo formante.
Não se esgotando o
sentido da vida do homem, na relação que tem com o mundo, a comunidade, na sua
razão de ser, impõe aos seus membros certos deveres de colaboração na obra de
todos, ou de abstenção de atos prejudiciais ao Bem-comum e, portanto, qualquer
grupo social, consciente da sua existência como tal, tenderá a preservar, a
aperfeiçoar e progredir em ordem à melhor estabilidade, desenvolvimento
sócio-económico e político-cultural, procurando garantir a própria existência e
atingir, eficazmente, os seus fins.
Tanto quanto permite a
capacidade intelectiva de recordar no tempo, julga-se saber que o mito teria
sido a primeira manifestação racional do homem, e que através desta mentalidade
mítico-simbólica, o ser humano procurava uma explicação para tudo o que o
rodeava, inclusive para a sua origem.
O homem vivia ligado aos
deuses, e não era então possível cortar o cordão umbilical desta união e
fazê-lo regressar à mãe natureza, e desta partir para a autocrítica
desmitologizadora. O seu lugar era um ponto demiúrgico, a sua mentalidade
fechada, redutora da realidade concreta, amedrontada pela omnipotência divina.
A realidade era o mito e
fora deste esquema mental nada tinha significado nem justificação. Assim: «… o mito para o homem da mítica não é o
mito mas a própria verdade pois ele está ligado ao conhecimento inicial que ele
tem de si mesmo e do seu ambiente, é uma estrutura deste conhecimento.»
(GUSDORF, s.d.:11). Fora do mito não existem, nessa época, outras verdades.
O mito foi tão necessário
no tempo primordial como imprescindível se torna hoje a religião e, tal como
esta, também o seu complexo estrutural se compunha de partes importantes, e
decorria em tempos diferentes e distintos: «O
tempo sagrado no qual se inscreviam as festas periódicas e que pela sua própria
natureza era reversível, indefinidamente recuperável, repetível, tempo circular
que o homem integra periodicamente pela linguagem dos ritos e dos símbolos; o
tempo profano no qual decorrem os actos privados da sujeição religiosa,
irreversível e suscetível de paragem pela inserção por meio dos ritos, é um
tempo histórico.» (Cf. ELÍADE, s.d. 81-85). Pode-se inferir que o
pensamento originário se compõe do mito, do rito e da magia.
Evidentemente que o mito
é tanto mais profundo, quanto mais forte é o símbolo que o significa. Os
símbolos são condição da nossa pertença ao mundo, à linguagem simbólica, como
uma certa ingenuidade primeira, a partir da qual se parte para a explicação,
desta para a ontologia e para a inserção no mundo. A mentalização e meditação
sobre os símbolos sobrevêm a uma certa movimentação da reflexão, responde a uma
certa situação da Filosofia e talvez da cultura moderna.
Sabe-se que é extenuante
a fuga atrás do pensamento, em busca da primeira verdade e, fundamentalmente,
da procura de um ponto de partida radical. Uma meditação sobre os símbolos,
parte de uma linguagem plena e do sentido desde sempre lá. «Os símbolos míticos são muito mais articulados, comportam a dimensão
da narração com as personagens, dos lugares e dos tempos fabulosos e recontam o
Começo e o Fim desta experiência.» (Cf. RICOEUR, s.d. 283-284).
Estes símbolos míticos
distinguem-se dos símbolos primários, que constituem a linguagem elementar, que
mostram claramente a estrutura intencional do símbolo, porque: «O símbolo é um signo, que como todo o
signo visa para lá de qualquer coisa e quer por isso qualquer coisa. Mas nem
todo o signo é símbolo; o símbolo encobre na sua mira uma intencionalidade
dupla: (…) supõe o triunfo do signo convencional sobre o signo natural,
constituindo a nódoa, o desvio; sobre esta intencionalidade primeira edifica-se
uma segunda que através da nódoa material, da experiência da carga, visa uma
certa situação do homem no sagrado.» (Cf. Ibid).
O sagrado é um fenómeno
central da religião, qualquer que ela seja, uma categoria nuclear, objetivação
primeira da vivência religiosa, da relação ao absoluto e tudo o que é sagrado
fica separado do não-divino, do profano, por isso o homem sempre teve a
religião como uma necessidade suprema, através da qual se liga a Deus e com Ele
procura resolver diversas situações: sejam de natureza espiritual; sejam no
contexto material, da vida concreta no mundo.
Obviamente que a origem
da religião pode ser abordada sobre diversos prismas, fundamentos ou
interpretações: desde a naturalista redutora, em termos antropomórficos,
psicológicos e sociológicos, que é muito antiga; até uma outra mais recente,
que põe em evidência o tempo, como sendo um fator essencial da racionalidade
humana, porque é pela consciência do tempo que a humanidade se vai apetrechando,
na luta pela existência.
Qualquer teoria sobre a
origem da religião: seja a posição racionalista; seja a posição positivista; o
evolucionismo materialista; a protestante liberal, etc., terá sempre de ser
testada pelos testemunhos mais antigos, isto é: terá de ser confirmada pela
tradição e pela arqueologia.
Poder-se-ia dizer que a
religião se opõe à anarquia da magia, por uma atitude de dependência, que
consiste num ato intencional, na medida em que pressupõe sempre uma certa
conceção do seu objeto. No fenómeno da religião está sempre em jogo a conexão
entre o homem e uma realidade superior ao mesmo, que escapa ao controle da
vontade humana e a todas as forças da natureza, como igualmente está
inacessível à ciência e à técnica.
A atitude mágica procura
assenhorear-se do sagrado para usar o seu poder; pelo contrário, a religião
admite a atração respeitosa pelo sagrado, sem nunca o manipular, aceitando a
dependência.
A Igreja e os pensadores
cristãos sempre consideraram a dimensão religiosa como conatural e essencial ao
homem, vendo em todas as religiões, sobretudo nas menos deturpadas moralmente,
uma revelação implícita de Deus e, não obstante o secularismo, existem sinais
de retorno ao sagrado, há como que uma nova fome e sede de transcendência e do
divino, por isso se deve abrir o caminho para a dimensão religiosa, do divino
ou do místico e oferecer aos homens deste tempo, os preâmbulos da Fé, porque o
homem é problema para si mesmo e só Deus pode dar-lhe a plena e última
resposta, aliás, segundo uma certa mentalidade da cultura ocidental.
Esta componente da
sociedade é extremamente importante e complexa, para ser ignorada numa reflexão
sobre Violência e Autoridade, na medida em que o ser religioso é parte fundante
do homem.
Bibliografia
ELIADE,
Mircea, (s.d.). “O Sagrado e o
Profano: A Essência das Religiões”, Trad. Rogério Fernandes, Lisboa: Edição Livros do Brasil.
GUSDORF,
Georges, (s.d.). Mythe et Metaphisique.
Paris: Flamarion
RICOEUR, Paul, (S.d.). Hermeneutique et Critique dês
Ideologies – L’Ideologie et l’Utopie, s.l., s. Ed.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog
Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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