As causas que, eventualmente, possam estar na
origem de atitudes e comportamentos mal-agradecidos, acredita-se que sejam de
natureza diversa e que, quaisquer que sejam os motivos, não justificam os
procedimentos caraterísticos da ingratidão: insensibilidade para reconhecer
valores, sentimentos e atitudes recebidas, como, por exemplo: amabilidades,
consideração, estima, amizade, solidariedade, lealdade.
Falta de humildade, em certo tipo de personalidade?
Esquecimento, puro e simples, de reconhecer um bem recebido? Ausência do hábito
de agradecer àqueles que praticam o bem, em benefício concreto de outros? Falta
de delicadeza para agradecer um simples favor? Vergonha de manifestar
comportamentos suaves e atos de gratidão?
Possivelmente outros motivos se poderiam invocar
para os procedimentos e atitudes ingratos, ou pelo menos de não gratidão,
todavia, o facto é que ela, a ingratidão, existe, se manifesta e, quantas
vezes, magoa e ofende, justamente quem ficaria feliz em receber o
reconhecimento, um humilde sorriso generoso e sincero, um simples obrigado.
O mundo atual, na sua dinâmica globalizante,
provoca comportamentos individuais e coletivos que, cada vez mais, se afastam
dos simples e elementares valores da gentileza, da humildade e da gratidão.
Quantas vezes o favor é negociado, pela troca por outro favor, por outro
benefício ou por um outro valor material concreto.
A troca de favores, de influências, de cargos e
posições sócio-estatutárias torna-se uma prática quase corrente e, na
constituição dos respetivos intervenientes, muito embora, tais costumes, não
sejam perniciosos, quando há benefício para as partes envolvidas. Formação e
educação para valores desta natureza, boas-práticas, na e a partir da família,
ou de grupos de amigos e comunidades mais restritas, podem integrar-se numa
dinâmica de cooperação institucional, devendo-se implementar, por processos
legais e transparentes, os procedimentos que conduzam aos melhores resultados.
Gratidão, gentileza, humildade serão conhecimentos,
práticas, princípios, valores, deveres ou quaisquer outras designações que, na
mentalidade de quem não os pratica, possivelmente, não se enquadram num
saber-fazer que proporciona lucros, dividendos materiais: em numerário, ou de
natureza ainda mais substantiva. Como se chega a esta insensibilidade é uma
questão que se compreende com alguma clareza, pelas razões já apontadas, entre
outras, eventualmente, ainda mais graves.
A acentuar-se esta insensibilidade, face ao
sentimento de gratidão, caminha-se para situações que se podem tornar
causadoras de maiores desigualdades. Quem não tem poderes, vontade, gentileza e
mesmo carinho, para retribuir um favor com outro favor recebido, possivelmente
não adquirirá qualquer apoio, benefício e compreensão de quem o pode fornecer,
se souber que em troca apenas recebe, quando recebe, um quase forçado e
indiferente, “muito obrigado”.
Agradecer o recebimento de um benefício, uma ajuda,
uma solidariedade, apenas com sentimentos de constrangida gratidão, de uma
atitude de aparente e respeitoso reconhecimento, pode significar nunca mais se
ter apoio daquela pessoa que foi objeto de afetada gratidão, por palavras, por
sentimentos e atitudes de admiração e gestos gratos.
A gentileza, a cordialidade, a boa educação,
traduzidas por palavras e gestos simbólicos, embora significantes, mas tudo
como que por auto-imposição, parece que já não satisfazem muitos daqueles que
esperam agradecimentos mais concretos e objetivos, suscetíveis de uma
determinada veracidade.
São múltiplas, profundas e sofisticadas as causas
da ingratidão, que se alastra, silenciosamente, na sociedade: múltiplas, porque
envolvem vertentes que vão da depreciação de valores essenciais, abstratos e
simbólicos à insuficiência da preparação, educação e formação de muitas
pessoas; profundas, porque vêm minando os princípios mais elementares que
sustentam a solidariedade, a amizade, a lealdade, a confiança e a compreensão.
Parece que se tenta materializar tudo, a partir de
conceitos e comportamentos que, em muitos casos, são fomentados nas organizações
que, num passado recente, mereciam a maior credibilidade e respeito: família,
escola, empresas, associações e instituições de diverso cariz.
Sofisticadas, porque, sub-repticiamente, e com a
hipocrisia de aparente humildade, se insinua uma prática de troca de favores,
influências e até mesmo a compra de tais benefícios e apoios, isto é, diz-se um
muito obrigado mas… fica a insinuação de que isso é muito pouco para agradecer
o bem recebido por favor, às vezes com amizade sincera de quem o fornece.
Ao longo da vida de cada pessoa, e quando esta já viveu
algumas décadas, acontecem situações que comprovam tanto os atos de
generosidade, de solidariedade, de favores, como os que se lhes seguem de
reconhecimento, agradecimento ou ingratidão.
Toda a pessoa tem destas experiências, e quando se
verificam mais casos de ingratidão, para com a mesma pessoa, esta terá uma
tendência natural para se tornar menos sensível a praticar determinadas
atitudes, que conduzem a boas-práticas e à disponibilização para fazer o bem,
ouvindo-se, frequentemente, lamentos e críticas no sentido de que, afinal, não
é estimulante praticar boas ações, fazer favores, ajudar, porque muitas pessoas
não reconhecem nem agradecem nada, depois atingiram os seus objetivos e
instalam no pedestal que desejavam.
Apesar de situações e comportamentos destes, ainda
existe muita solidariedade, principalmente em situações-limite, ou de extrema
fragilidade, e quando intervêm órgãos de comunicação social ou instituições de
solidariedade social. Nestas circunstâncias, surgem, de facto, os benfeitores
que, sem esperarem qualquer ato de gratidão, ajudam, generosamente, quem está a
passar por grandes dificuldades.
O humanismo que existe em muitas pessoas pode ser a
base de partida para a criação de grandes movimentos e instituições de
solidariedade que, simultaneamente, espalham o bem e transmitem a ideia de
gratidão para com aqueles que participam nestas instituições, isto é,
benfeitores que se solidarizam para com uma situação, uma causa, uma iniciativa
humanitária e altruísta, se se sentirem alvo de gratidão dessa instituição, os
beneficiários que posteriormente vierem a ser contemplados, pela mesma
instituição, sentir-se-ão na obrigação de manifestarem gratidão e
reconhecimento públicos. Talvez se gere uma cadeia de solidariedades e
gratidões que, dentro de algum tempo, todos possam manifestar esse sentimento
tão nobre, quanto humilde.
As causas da ingratidão podem, pois, (e devem) ser
combatidas a partir da interiorização de princípios e valores, sentimentos e
emoções verdadeiros, que suportem e justifiquem, precisamente, comportamentos e
atitudes gratas. Ensinar, no sentido de adquirir conhecimentos e avaliá-los,
esta virtude que é a gratidão, não se afigura tarefa fácil; transmitir, por
atos, palavras e exemplos concretos, boas-práticas de gratidão e sensibilizar
crianças, jovens e adultos para o cultivo de permanente atitude de gratidão,
afigura-se possível: na família e na escola; na igreja; entre amigos; na
pequena comunidade; também no contexto mais amplo da sociedade.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
E-mail: bartolo.profuniv@mail.pt
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)