Conceptualizar a gratidão como um sentimento, uma
virtude, um valor social, um traço da personalidade, uma característica da
educação, ou uma atitude de reconhecimento, por um bem recebido, poderá ter
interesse na perspectiva argumentativa, no plano teórico da construção de uma
tese, no âmbito da demonstração de boas maneiras.
O essencial, porém, poderá ser abordado no plano
prático, pela revelação de comportamentos coerentes e permanentes, de
reverência e humildade, perante quem e/ou a quem se presta ou deve gratidão,
independentemente do tempo, do espaço e das circunstâncias em que se recebeu o
benefício, posterior e definitivamente, objeto de gratidão.
Tão importante quanto o conceito teórico será,
porventura, a conduta prática de quem é grato ou ingrato. Atualmente, valores
desta natureza ou, se se preferir, princípios que se adotam para manifestar
certo tipo de posições, face ao outro, ao grupo ou à instituição, de quem se
recebe uma atenção, um apoio, um bem, escasseiam cada vez mais na sociedade de
consumo, do TER, do conseguir algo, do atingir fins sem se olhar aos meios.
O exercício de um qualquer poder, enquanto permite
a quem o detém, auxiliar aqueles que precisam resolver diversas situações,
serve, exemplarmente, para se desenvolver o tema da gratidão e/ou, pela
negativa, ingratidão. Na verdade, enquanto as pessoas beneficiam de alguém que
tem poder, seja de decisão, de influência ou outro, aparentemente (por vezes,
fingidamente) demonstram algum tipo de gratidão, pelo menos enquanto têm
problemas que podem ser resolvidos por quem detém esse mesmo poder, ou consegue
influenciar numa decisão favorável.
Resolvida a situação, ou não havendo mais condições
para o exercício do poder, passa-se a um afastamento gradual, à indiferença, ao
esquecimento, daquele que numa determinada época tinha poder, ajudava,
influenciava, resolvia, sempre com solidariedade, amizade, lealdade e
cumplicidade.
Vive-se o oportunismo de cada momento, extrai-se o
máximo de benefício e depois segue-se o longo período de ostracismo, porém, em
muitos casos, até se invertem os papéis e surge, agora, a situação mais
censurável: o que foi ajudado e agora pode ajudar quem o ajudou, pura e
simplesmente, ignora e não retribui os benefícios que antes recebeu de quem
agora precisa de apoio, solidariedade, amizade, lealdade e compreensão, uma “mãozinha”, como diria a sabedoria
popular, a voz do povo.
Graves são as atitudes daquelas pessoas que, depois
de eleitas, não só ignoram os que as apoiaram, como as perseguem, bem como às
famílias, com “técnicas sub-reptícias” e/ou na desculpa da lei, da
transparência, do rigor e da isenção. As pessoas são importantes e valiosas
enquanto servem os interesses daqueles que delas precisam, numa determinada
época, num contexto muito concreto, com objetivos muito específicos, previa e
inconfessadamente determinados.
Refletir sobre esta realidade é o objeto do
presente trabalho que, partindo de alguns conceitos, várias situações,
facilmente identificáveis na sociedade, se demonstrará que, sendo a gratidão um
valor, um sentimento, uma atitude, ela, a gratidão, deve fazer parte da
educação/formação da pessoa humana, porque, qualquer que seja o conceito, é
fundamental que na prática, em todas as circunstâncias, as pessoas não tenham
preconceitos em manifestá-la, em público ou em privado, demonstrá-la sincera e
entusiasticamente.
Adotar uma conduta de agradecimento acaba por ser
gratificante para quem a recebe e para quem a manifesta, trata-se de uma
atitude nobre, de humildade e elevada dignidade, que só engrandece quem a
pratica verdadeira e genuinamente, afinal, com total liberdade, amizade e
lealdade.
As causas que, eventualmente, possam estar na
origem de atitudes e comportamentos mal-agradecidos, acredita-se que sejam de
natureza diversa e que, quaisquer que sejam os motivos, não justificam os
procedimentos característicos da ingratidão: insensibilidade para reconhecer
valores, sentimentos e atitudes recebidas, como, por exemplo: amabilidade,
consideração, estima, amizade, solidariedade, lealdade?
Gratidão, gentileza, humildade serão conhecimentos,
práticas, princípios, valores, deveres ou quaisquer outras designações que, na
mentalidade de quem não os pratica, possivelmente, não se enquadram num
saber-fazer que proporciona lucros, dividendos materiais: em numerário, ou de
natureza ainda mais substantiva. Como se chega a esta insensibilidade é uma
questão que se compreende com alguma clareza, pelas razões já apontadas, entre
outras, eventualmente, ainda mais graves.
O humanismo que existe em muitas pessoas pode ser a
base de partida para a criação de grandes movimentos e instituições de
solidariedade que, simultaneamente, espalham o bem e transmitem a ideia de
gratidão para com aqueles que participam nestas instituições, isto é,
benfeitores que se solidarizam para com uma situação, uma causa, uma iniciativa
humanitária e altruísta, se se sentirem alvo de gratidão dessa instituição, os
beneficiários que posteriormente vierem a ser contemplados, pela mesma
instituição, sentir-se-ão na obrigação de manifestarem gratidão e
reconhecimento públicos. Talvez se gere uma cadeia de solidariedades e
gratidões que, dentro de algum tempo, todos possam manifestar esse sentimento
tão nobre, quanto humilde.
A virtude da gratidão deve ser uma prerrogativa
marcante, da família bem estruturada, na personalidade de cada um dos seus
membros. Aliás, como deverá acontecer em relação a todo o processo de
socialização, em todas as suas vertentes e fases que conduzem à boa e plena
integração do indivíduo humano numa sociedade de princípios, de valores,
sentimentos e emoções.
Gestos tão simples como o marido agradecer à esposa
uma pequena atenção, um sorriso terno, confiante e amoroso, um olhar embevecido
para o seu companheiro e vice-versa, constituem motivos suficientes para o
outro cônjuge revelar gratidão, desde logo, retribuindo com idêntica
espontaneidade, sinceridade e amor. Igualmente, com as devidas adaptações, o
mesmo vale entre amigos que, verdadeiramente, se querem muito bem, que nutrem,
reciprocamente, aquele sincero “Amor-de-Amigo”
Utiliza-se, frequentemente, a expressão “gratidão eterna”, pretendendo-se
significar um agradecimento para toda a vida, porém, não basta utilizá-la uma
vez e não a praticar posteriormente, porque se assim acontecer, entra-se no
âmbito da “gratidão de oportunidade”,
eventualmente, menos sincera.
Será mais correto, verdadeiro e gratificante,
manifestar esse agradecimento ao longo da vida, sempre que as circunstâncias o
aconselhem, como por exemplo para elogiar e/ou defender a pessoa que é objeto
da gratidão de outra, naturalmente, com total honestidade de consciência e
prazer em revelar, publicamente, essa gratidão.
Quem presta gratidão a outrem é porque recebeu
algum bem dessa outra pessoa, sob qualquer forma: uma palavra amiga, um gesto
de solidariedade, um favor, uma influência para resolver uma situação, enfim,
um benefício material ou imaterial; uma atenção que veio ajudar numa qualquer
situação, sem a qual, a resolução desta, não seria tão favorável ou nem se
teria alcançado.
A pessoa grata sente-se de bem consigo própria e
com aquela a quem agradece, o que causa em ambas uma sensação de bem-estar, de
tranquilidade e do dever cumprido. Por outro lado, a pessoa que pratica atos e
ações, que disponibiliza apoios que conduzem à resolução de problemas de um seu
semelhante, igualmente vai-se sentindo realizada e bem relacionada com aqueles
a quem presta atenção.
A gratidão é, por isso mesmo, um sentimento que se
funda na virtude do reconhecimento, da homenagem e da amizade, porque quem é
objeto de gratidão é porque: primeiro, procedeu para com outrem de forma
excecional, a que, eventualmente, nem estaria obrigado a tal, então, o
beneficiário da atenção recebida, sente-se como que realizado na sua capacidade
de agradecer, quando manifestar gratidão, ao ponto de o fazer com um misto de
amizade, orgulho e admiração; depois, entre as pessoas envolvidas,
estabelece-se, de ora em diante, como que um cordão umbilical duradoiro, de
consideração, estima e carinho, pelo qual circulará uma amizade e benquerença
que, obviamente, conduz a uma maior harmonia, tranquilidade e realização
pessoal. A gratidão não humilha, nem minimiza quem a manifesta, pelo contrário,
enobrece e dignifica a pessoa que sabe ser grata.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
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