O século XVIII não esqueceu as artes, tais como a pintura, a escultura, a arquitetura, principalmente a partir da França e, poder-se-ia incluir aqui, a literatura, que teve grande destaque não só no país de Napoleão Bonaparte, como também na Inglaterra e na Alemanha.
É na França que as “Luzes” têm o seu maior desenvolvimento, onde se localiza o seu epicentro, cujas coordenadas ideológicas fundamentais são:
a) Fundar toda a organização política e social no reconhecimento dos direitos naturais do homem: a igualdade face à lei; respeito pela propriedade privada; liberdade de pensamento e de expressão; b) Oposição da religião natural à religião tradicional da Igreja, defesa do deísmo e críticas à superstição e temporalidade eclesiásticas; c) Defesa de uma moral natural, no sentido do dever, de se praticar o bem enquanto benéfico para os indivíduos e, não por medo ou horror ao pecado, demonstrando assim um certo pragmatismo, enquanto passantes efémeros e errantes pela terra; d) Crença nas virtudes da liberdade, da tolerância e do progresso.
Anuncia-se, assim, com as “Luzes” (não no seu todo, mas em parte delas) o liberalismo do século XIX, a condenação da intolerância religiosa e do despotismo; inicia-se a propagação de um pensamento burguês, em ruptura com o sistema feudal e, a partir dos filósofos da época, desencadeiam-se movimentos reformadores e revolucionários.
Mesmo entre os portugueses, ocorreram decisões e acontecimentos que
denotam o espírito do Século das Luzes, e a crise da consciência europeia – como
o despotismo de Pombal, a expulsão dos Jesuítas de Portugal em 1759 e a
instituição da Real Mesa Censória em 1767. Outros eventos relevantes ocorreram
no século XVIII, todavia, o objetivo aponta num outro sentido, que não apenas o
filosófico-político-cultural, mas também a importância que teria tido o
luso-brasileiro Pinheiro Ferreira, na maior implementação, cumprimento e
aperfeiçoamento de uma educação para a cidadania e direitos humanos, no quadro
de uma sociedade democrática e de liberdade plena, a partir das suas
intervenções, e nos espaços com os quais há um passado comum, objetivamente
como povos irmãos: Brasil e Portugal, no presente trabalho; Comunidade dos
Povos de Língua Portuguesa, numa perspetiva mais ampla e de curto prazo;
cidadania universal como projeto final. ([1])
A passagem de Pinheiro
Ferreira, pelo Brasil, deixou marcas profundas, e a opinião sobre este
luso-brasileiro, nas terras de Vera Cruz é, de uma forma geral, favorável e,
ainda recentemente, a propósito das suas influências liberais no Brasil,
António Paim, citando Ricardo Velez Rodriguez (a partir da obra deste, “Estado,
Cultura y Sociedad et La América Latina”), salientava a sua originalidade e
riqueza de ideias. (cf. PAIM, 2001b:69).
Não se estranhará que
na primeira metade do século XIX, a importância de Silvestre Ferreira no Brasil
tenha sido notória, ainda que, no Portugal metropolitano, não se haja
verificado grande interesse pela sua obra e intervenção social. Goste-se ou
não, das teses liberais, apoie-se ou não as filosofias tradicionais oficiais
sobre política, educação e sociedade, não restam dúvidas acerca da postura
global deste autor, cuja vida poderá constituir um estímulo na implementação de
valores, que se consideram decisivos para a paz e justiça mundiais.
A partir da sua filosofia, cujas melhores obras, na
perspetiva de José de Arriaga, «...são filhas de influências muito estranhas
ao nosso movimento intelectual dos fins do século passado (séc. XVIII) e
princípios deste» (ARRIAGA,1980:83), encontra-se um espírito determinado na
busca de verdades e de valores que dignifiquem o homem.
Em termos políticos, Silvestre Ferreira, fervoroso adepto do Constitucionalismo, tem um conceito de democracia que consiste na ausência de todo o privilégio. Um governo em que a lei não exclui ninguém do exercício de todo e qualquer direito político, a partir do momento em que tenha sido considerado apto pelos seus concidadãos, aqui residindo o princípio da igualdade como fundamento exclusivo das democracias.
Apesar da Declaração Universal dos Direitos Humanos só ter sido aprovada pela Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, isto é, mais de cem anos depois da morte de Pinheiro Ferreira, já este se preocupava com os direitos humanos, e por uma educação para a cidadania, deixando no Brasil claros testemunhos da sua atividade intelectual, em trabalhos que revelam a sua sensibilidade para os aspetos dedicados não só à administração como também ao problema da escravatura; por outro lado, embora não tenha conseguido resolver o problema teórico da liberdade, ainda hoje por solucionar, o seu conceito deste valor supremo não deixa dúvidas: «Os espíritos que na presença de muitos motivos, obram umas vezes por um, e outras vezes por outro desses motivos, chamam-se livres; a faculdade de assim proceder chama-se liberdade;» (cf. JUNQUEIRA, 1979:35, § 70).
A valorização das ciências sociais e morais por
parte de Pinheiro Ferreira será uma constante, e a relação que ele estabelece
entre estas e as ciências experimentais, permitirá esclarecer sobre a
importância das primeiras, que considera encerrarem uma linguagem mais rica.
Pinheiro Ferreira empenhou-se no conhecimento
científico e no estabelecimento de relações com a realidade: «O ecletismo de Silvestre Pinheiro Ferreira
e a mais funda relação a Leibniz a Amorim Viana vêm, um tanto tardiamente, mas
não sem pertinência, corresponder à situação real, que é, como sempre, a de
harmonizar a tradição viva e não sofismada, com a inovação e a renovação
necessárias.» (MARINHO, 1976:16).
Prosseguindo-se o trabalho, e neste ponto, com a
obra Silvestrina relacionada com as suas reflexões sobre Filosofia Política,
Social e Educacional, confere-se a relevância que se julga possuir na época
contemporânea, estabelecendo desta forma a ligação e articulação com os estudos
dos capítulos subsequentes.
Na sua dimensão política, a filosofia de Silvestre
Ferreira, será desenvolvida a partir do contributo que, na sua época, deu a
Portugal e ao Brasil, escrevendo algumas obras que em pleno século XXI, se
podem considerar estimulantes e inspiradoras, destacando-se aqui, salvo
melhores e doutas opiniões, o “Manual do Cidadão em um Governo Representativo”,
que tinha por objetivos: um sistema de governação pública; uma política de
educação; a constituição dos vários poderes.
Com efeito: «Num
país, onde não tem havido princípios sólidos, reflectidos e seguros de governo;
onde os dogmas mais importantes de Direito Público não estavam claramente
definidos, um escritor como o Sr. S.P. Ferreira, deveria causar profunda
impressão e promover grandemente a felicidade pública. Porque ninguém duvida
que a instrução e a publicidade são as mais preciosas garantias dos governos
livres.» (PRAÇA, 1983:24).
A propósito da Filosofia Política de Silvestre
Ferreira, não se deve ignorar o que no Brasil se tem escrito, e que constitui
um incontornável testemunho da importância da sua vida e obra. Considera-se
fundamental para o esclarecimento dos objetivos deste trabalho, transcrever
algumas passagens constantes da apreciação das suas ideias políticas.
Assim: «Tornou-se quase corriqueiro entre nós recorrer, quase sempre, às
citações dos pensadores estrangeiros, quando enveredamos pelos problemas ou
enfrentamos as análises da política internacional ou da Filosofia Política. As
ideias políticas de Silvestre Pinheiro Ferreira (...) preencherão uma lacuna
até agora aberta, porque fornecem aos estudiosos um instrumental novo,
praticamente desconhecido, mas riquíssimo em termos intelectuais e muito mais
adequado a peculiaridades históricas ou atuais do Brasil do que os pensamentos
dos filósofos ou políticos estrangeiros.» (JUNQUEIRA, 1976: Contracapa) ([2])
Analisar-se-á a filosofia social de Pinheiro Ferreira, a partir do seu
espírito prático e ativo, quer na moral (e desta para aspetos sociais); quer
quanto à educação. Ele transmite a ideia de que uma ação só pode ser
classificada de justa, ou injusta, após se chegar às consequências a que tal
ação conduz, e essa ideia é reforçada com o seu pensamento nos domínios da
Filosofia Jurídica e Social, porque apesar de ser um contratualista quanto à
origem da sociedade, não deixa de representar a corrente individualista do
referido século, derivada de Locke e também da Revolução Francesa, resultando, no final do seu percurso, um
individualista esforçado no domínio do jusnaturalismo e um liberal em filosofia
política.
Na dimensão educacional, e ao nível docente, a influência Silvestrina
teria sido muita se se tivesse dedicado a tempo inteiro ao ensino: «Professor, durante anos seguidos, ministrou
um curso de Filosofia, e suas Prelecções Filosóficas constituíam o único texto
em português e actualizado, acessível aos interessados no assunto; segundo
registro do Correio Braziliense, alcançavam grande ressonância.»
(JUNQUEIRA, 1979:7).
Enquanto professor no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, da
cadeira de Filosofia Racional e Moral, teve problemas criados pelos seus
opositores, que o acusaram de jacobino e, por via de tais investidas, viu-se
forçado a embarcar, clandestinamente, para França, posteriormente, e já no Rio
de Janeiro, o seu mérito foi reconhecido:
Mais tarde: «No Brasil deixou claros testemunhos de
actividade intelectual em trabalhos dedicados à administração, ao problema da
escravatura, à política, às finanças, etc., mas deste período interessam
sobretudo as Prelecções Philosóphicas sobre a Theoria do discurso e da
linguagem, a esthética, a
diceósyna e a cosmologia aparecidos no Rio de Janeiro, em fascículos, a partir
de 1813, que constituem uma das obras mais raras do ilustre publicista, e na
qual o autor desenvolve sistematicamente o seu pensamento filosófico com o
propósito de elementarmente criar a clareza nacional (...) Esta confiança
segura e firme convence Silvestre Pinheiro Ferreira a realizar a actualização
da cultura nacional pela única via que pode actualizar qualquer cultura: a fundamentação
filosófica, ou radicalização das estruturas típicas do pensamento.» (SANTOS, 1983:35).
Apesar da notoriedade da sua obra filosófica no Brasil, o certo é que, à
época, havia na então colónia portuguesa outro tipo de preocupações que não
estimulavam o estudo de matérias humanístico-filosóficas; inversamente, os
cursos de natureza prática e profissional suscitavam maior interesse,
criando-se no mesmo ano em que a Corte Portuguesa se transferiu para o Rio: a
Academia da Marinha, depois a Academia Real Militar, o curso de Cirurgia no
Hospital Militar da Baía; os cursos de Anatomia, de Cirurgia e de Medicina, o
Curso de Agricultura, Química, Geologia e Mineralogia; D. João VI estava mais
sensibilizado para a criação de cursos práticos com vista à formação de
técnicos e de especialistas, em ordem à satisfação das necessidades públicas
mais prementes. A situação não era favorável para um filósofo, teórico da
educação, da política e do direito natural.
Pese, embora,
a sua vida agitada, tentar-se-á demonstrar que a obra de Silvestre Ferreira,
pode ser um importante contributo na implementação de um “Código de Direitos
Humanos e Educação para a Cidadania”. Não se tratará de uma lei sancionatória,
mas de um conjunto de regras cívicas em ordem a que, o mais cedo possível, na
Educação e Formação da Pessoa Humana, se possam interiorizar e praticar, em
quaisquer locais, situações e épocas, no presente e no futuro, para que se
estabeleça como que uma nova linguagem de convivência solidária, entre as
pessoas de todos os credos, raças ou ideologias.
Bibliografia
ARRIAGA, José de, (1980). “A Filosofia Portuguesa 1720-
JUNQUEIRA, Celina (Dir.) (1976) Silvestre Pinheiro Ferreira, Ideias
Políticas. Vol. VII Introdução de Vicente Barreto. Rio de Janeiro: Editora
Documentário. Pontifícia Universidade Católica: Conselho Federal de Cultura.
Colecção Textos Didácticos do Pensamento Brasileiro
JUNQUEIRA, Celina (Dir.) (1979) Silvestre Pinheiro Ferreira, Ensaios
Filosóficos, Metodologia, Ontologia, Psicologia, Ideologia. Vol. VI, Introdução
Prof. António Paim. Rio de Janeiro: Editora Documentário. Pontifícia
Universidade Católica: Conselho Federal de Cultura. Colecção Textos Didáticos
do Pensamento Brasileiro.
MARINHO, José, (1976). Verdade, Condição
e Destino, no Pensamento Português Contemporâneo, Porto: Lello &
Irmão – Editores. Pp. 10 – 61 – 63.
PAIM, António, (2001b). “Velez Rodríguez
Reconceitua a América Latina”, in Nova
Cidadania, Lisboa: Principia-Publicações Universitárias e Científicas,
(7), Jan. Mar.
PRAÇA, J.J. Lopes, (1983). “Silvestre Pinheiro Ferreira”, in Silvestre Pinheiro Ferreira, (1769-1846),
Bibliografia e Estudos Críticos, Salvador-Bahia: Centro de Documentação
do Pensamento Brasileiro.
SANTOS, Delfim, (1983). “Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) ”, in
Silvestre Pinheiro Ferreira, Bibliografia e Estudos Críticos, Rio de Janeiro:
Centro Documentação Pensamento Brasileiro. p. p. 35-36.
“NÃO,
à violência das armas; SIM, ao diálogo criativo. As Regras, são simples, para
se obter a PAZ”
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Venade/Caminha – Portugal, 2025
Com o protesto da minha
permanente GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues
de Bártolo
Presidente HONORÁRIO do Núcleo Académico
de Letras e Artes de Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
http://diamantinobartolo.blogspot.com
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
https://www.facebook.com/ermezinda.bartolo
([1])
Em 4 de Julho de 2007, em Lisboa, sob a Presidência Portuguesa, o Brasil e a
União Europeia estabeleceram um acordo, pelo qual o Brasil assume o estatuto de
parceiro estratégico e privilegiado da União Europeia, podendo ser este um
primeiro passo para uma futura cidadania euro-brasileira.
([2])
Ainda nessa mesma contracapa se poderá ler:{De fato, quando Silvestre Pinheiro Ferreira, em
pleno século XIX, lembra que: «os eleitores tornam-se responsáveis perante o
tribunal da opinião pública só pelo facto de haverem votado a favor de
candidatos que não ofereçam as garantias necessárias», dá a mais profunda
lição de civismo e revela um espírito dos mais abertos quando diz: «A
prosperidade do país não depende de que haja no Governo um princípio
tradicional de imutabilidade do sistema, pois, a mudança para melhor nunca se
poderia considerar um mal.»} e, mais à frente e a propósito do que de melhor
poderia ser respondido, por exemplo aos criminosos nazis que alegaram em sua defesa o
dever de obediência, do que este pensamento de Silvestre Pinheiro Ferreira: «Aquela
parte do poder que respeita a manutenção dos direitos civis é comum a todos os
cidadãos e eles a exercem fazendo uso... da resistência legal. O que se entende
por resistência legal? É o direito, ou antes, um dever, que tem todo o cidadão,
quer seja nesta simples qualidade quer como empregado público de não obedecer a
nenhuma ordem ilegal, sob pena de ser havido e castigado como cúmplice da
autoridade que houver cometido este abuso e excesso de poder.» Finalmente,
esta análise extraordinária, conclui com a seguinte assertiva: {O
Pensamento de Silvestre Pinheiro Ferreira é elucidativo não apenas para um
determinado momento histórico do Brasil ele se encaixa como um importante elo
na evolução do pensamento liberal universal, evolução na qual, como se vê, o
Brasil estava sempre presente.}
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