Considerar a pessoa humana, como um ser superior,
constituída pelo binómio Corpo-Alma, não prejudica a linha científica, nem
dificulta a posição espiritual, pelo contrário, as duas componentes até podem
aceitar-se como uma evidência da grandeza da espécie humana. Alimentar uma
polémica sobre qual a componente mais importante, ou interessante, ou
fundamental à vida, parece não ser assim tão relevante.
É certo que a ciência tem muitas explicações para
grande parte dos fenómenos, reações, consequências de certas situações, graças,
ainda, à fragmentação do próprio conhecimento científico, nas muitas
especializações que vai descobrindo e desenvolvendo. São factos indiscutíveis e
irrefutáveis.
Hoje é possível à ciência diagnosticar, explicar e
resolver muitos problemas, em quase todos os domínios do conhecimento,
entrando, também na execução de determinadas soluções a tecnologia, cada vez
mais avançada e sofisticada, tem uma intervenção importante. É uma verdade
inquestionável que ninguém, minimamente esclarecido, e de boa-fé, pode colocar
em dúvida, porque os resultados, em muitas áreas, estão à vista e podem ser
comprovados.
Duvidar do poderio da ciência é regredir no tempo,
no espaço e no conhecimento. Determinados fenómenos humanos são racional e
logicamente explicáveis, se necessário, resolvidos, porque no quadro das
ciências médicas, por exemplo, com toda a panóplia de especializações, é
possível tratar situações patológicas do foro psicológico, psiquiátrico e
neurológico, incluindo certos sintomas relacionados com a personalidade, com a
tristeza/alegria, através de exames técnico-científicos, muito específicos.
O isolamento, o choro, a angústia, entre outros
indícios, podem explicar uma depressão, que não sendo uma doença física, que
afeta sob a forma de uma dor, um determinado órgão, ou tecido corporal, é
possível de tratamento e até de cura. Recusar à ciência os méritos que lhe são
devidos poderá significar desconhecimento e, eventualmente, algum
fundamentalismo em relação a outros domínios do foro subjetivo, alternativo e,
talvez, um pouco isotérico. Portanto: “à
ciência o que é da ciência; à técnica o que é da técnica”.
A racionalidade humana permite às pessoas
refletirem e agirem de acordo e em função da objetividade de situações
concretas, visíveis por todos, compreendidas logicamente, defendidas com
argumentos e contra-argumentos. Existindo todo um raciocínio coerente, ou não,
ele desenvolve-se, aplica-se em casos concretos, resolve, relativamente bem,
problemas que se colocam no dia-a-dia, nas mais diversas situações da vida
real.
Mas a pessoa humana está dotada de uma outra
componente, inefável, materialmente invisível, mas que é sentida, que conduz a
situações, por vezes, inexplicáveis pela ciência tradicional, não resolvidas
pela técnica, que nos leva a reações, quantas vezes ditas irracionais, que
causam, inclusivamente, grandes tragédias: homicídios, suicídios, vinganças,
perseguições, entre outras.
Acontece que nem tudo é dramático,
irremediavelmente perdido e, ao longo da vida, experienciam-se situações que
nos proporcionam alegrias, tristezas, mágoas, dor, sofrimentos e desgostos, que
se relacionam com valores não exercidos, e/ou traídos, e com sentimentos,
aliás, o aforismo popular sentencia que: “Quem não se sente não é de boa gente”
ou seja, temos sentimentos, valores diversos, alguns dos quais não podem ser
maltratados.
Os fenómenos sentimentais, que geram emoções, nem
sempre são controlados pela racionalidade, pela realidade objetiva, por uma
avaliação pertinente e adequada às possíveis consequências das reações que
provocam, resultando situações que, posteriormente, se aceitam e consideram
desejadas ou, pelo contrário, causam graves e, algumas vezes, irreversíveis
prejuízos morais e materiais, que temos dificuldade em admitir.
E se para um racionalista os fenómenos ditos do
“coração” são considerados como próprios de pessoas ”fracas”, “incultas” e
“líricas”, para um romântico, sentimental e apaixonado, também os racionalistas
serão pessoas insensíveis, frias, calculistas, escravas da razão. É claro que
em muitas circunstâncias da vida, qualquer uma das posições parecerá a mais
correta, como para outras tendências, a regra ou avaliação “salomónica”,
segundo a qual, “no meio está a virtude”, é que será a mais justa.
Defendo que existem pessoas sentimentais,
românticas e apaixonadas, que são racionais, equilibradas e firmes; como
igualmente se verifica que em pessoas racionais também existem valores,
sentimentos e emoções, que são generosas, carinhosas, verdadeiras amigas e que,
por uma boa afeição, também “esquecem” a racionalidade, para darem lugar ao
“coração”.
A verdade, apesar do respeito que ambas as posições
merecem, é que o ser humano é diferente de todas as restantes espécies
conhecidas, porque revela e exerce determinadas faculdades: umas, suficientemente
estudadas e demonstradas; outras, nem tanto, que são inigualáveis e
inimitáveis, designadamente certos sentimentos e emoções, que constituem
realidades que não se podem escamotear e muito menos ignorar.
Admite-se que por via dos sentimentos e emoções e
consequentes reações, a pessoa humana cometa erros, se prejudique, mais a ela
própria do que a outras, que na perspectiva científica, e até civilizacional,
revele alguns distúrbios e cometa atos condenáveis, mas também não se pode
ignorar que a mesma pessoa pratica ações de grande nobreza, imbuídas de valores
verdadeiramente humanos, como a solidariedade, a amizade, a lealdade, a ajuda,
a coragem.
Pensa-se que muitas pessoas preferem lidar com a pureza,
espontaneidade e autenticidade de verdadeiros sentimentos e emoções do que
sujeitar-se a certas racionalidades, insensibilidades e situações dramáticas
que, muitas vezes, se criam contra a própria dignidade das pessoas. Vive-se
muito no dilema, na dicotomia que caracteriza o ser humano.
Provavelmente, os ideais, os absolutos, existem em
teoria, porque na prática, talvez o ser humano, dada a sua imperfeição, jamais
os consiga realizar. Evidentemente que no domínio das hipóteses, de facto, o
ideal seria termos a capacidade de desenvolvermos e praticarmos bons
sentimentos – racionais e emocionais – ajustados a uma sociedade civilizada ou,
se tal for compreensível, incrementarmos uma racionalidade sentimental, uma
lógica emotiva.
O ser humano é tudo aquilo que as circunstâncias
lhe permitem, sendo certo que as componentes constituintes da sua superioridade
se revelam através da sua racionalidade lógica e dos seus sentimentos e
emoções, seguramente, com a observância possível aos princípios, valores e
normas sociojurídicas, que regem a civilização em que se insere.
As pessoas não devem, nem têm que se envergonhar,
nem inibir-se de revelarem os seus sentimentos e emoções, entendidos na sua
vertente nobre, eventualmente, com alguma irracionalidade, se resolvem
situações que a positividade das leis, dos instrumentos científicos e técnicos
não conseguem.
A tetralogia, verdadeiramente única e humana dos
Sentimentos, Emoções, Valores e Razão configura um património difícil de
igualar por quaisquer outros seres e, ao considerar-se a componente racional,
então sim, a pessoa, verdadeiramente humana, torna-se nobre, superior e
inigualável, tanto mais sublime, quanto mais generosas são as suas ações.
O mundo moderno, onde se movimenta uma sociedade
complexa, poderia (e deveria) ser um local paradisíaco, a partir do momento em
que todos os seres humanos saibam e queiram conjugar a racionalidade, a lógica
dos seus conhecimentos, técnicas e potencialidades, com os sentimentos, as
emoções e os valores. Pode-se “construir” a pessoa, a família, os grupos, as
comunidades e a sociedade global com aqueles ingredientes que são específicos
da espécie humana.
A sociedade humana não pode estar sujeita, nem se
equipara, a uma selva irracional, a um território onde os “animais” mais fortes
e, em algumas espécies, mais inteligentes, subjugam os mais fracos, os menos
dotados. Pretende-se um mundo gerido por pessoas providas de razão e de
sentimentos, onde o meio-termo, suportado pelos valores mais humanos, seja uma
forma de vida digna, para todos, sem exceções.
A supremacia que advém da condição humana é,
justamente, fundamentada nas duas grandes dimensões que caracterizam toda a
pessoa verdadeiramente humana: razão e espírito; objetividade e subjetividade; sentimentalidade
e emoção; valores, lógica e boas práticas.
É possível exercermos e revelarmos os nossos sentimentos,
com sentida emoção, dentro de uma racionalidade humanista, com uma lógica
verdadeiramente axiológica, ao serviço da solidariedade, da amizade, da
lealdade, da paz e da felicidade. Os sentimentos, emoções e valores são tão
necessários à dignidade da vida humana, como a ciência, a técnica e a razão.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
E-mail: bartolo.profuniv@mail.pt
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)
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