O homem, desde sempre, tem sentido a necessidade da
vivência experienciada da religião, mesmo aquele que não acredita no poder
transcendental da Divindade, em situações-limite, recorre ao Absoluto, qualquer
que este Absoluto seja, indiferentemente do processo e fórmula utilizados, o
homem, desesperadamente esperançado, ainda luta para sair da situação-limite,
independentemente da solução adotada, mesmo que esta aponte para o suicídio.
A religião não poderá ser um valor a ignorar,
porque ela faz parte integrante da vida, mesmo que cada um a pratique à sua
maneira, constituindo assim uma dimensão vital das diversas e universais
culturas. O valor religioso é intrínseco ao valor cidadania e nenhum governo do
mundo poderá ignorar esta dimensão cultural dos cidadãos.
Em boa verdade: «Os
actuais direitos fundamentais do homem e do cidadão, que têm consagração na
maioria das constituições dos diversos Estados da Comunidade Internacional,
foram o desenvolvimento e esclarecimento de um direito fundamental que
funcionou como um autêntico embrião de todos os outros: o direito à liberdade
religiosa, ao livre e público exercício de profissões de fé minoritárias sem a
perda de quaisquer direitos civis, nem qualquer espécie de segregação movida
pelo estado ou por particulares, daí decorrentes. (SOROMENHO-MARQUES, 1996:
77).
Se é verdade que as filosofias políticas dos finais
do séc. XVIII, se preocuparam com a necessidade de fundar o poder e a
legitimidade do Estado, não será menos certo admitir, hoje, a inevitabilidade
da dimensão religiosa, e que esta tem cada vez uma maior importância na vida,
de tal forma que se o fenómeno da proliferação das seitas é um facto, também é
exato que as Igrejas das principais e tradicionais religiões se esforçam, pelo
menos nas pessoas dos seus máximos representantes, por uma consensualização de
posições, no respeito e tolerância pelos princípios e dogmas, que a cada uma
dizem respeito.
Neste caminhar na busca de consensos, também os
governos devem colaborar, através da consagração legislativa e, na prática,
pelo reconhecimento da cultura religiosa da sociedade, procurando firmar um
compromisso entre as minorias religiosas e o próprio Estado, aliás, pode-se
aceitar, de boa-consciência, que foram benéficos os resultados constitucionais
das revoluções americana e francesa, ao consagrarem nos direitos dos cidadãos a
liberdade religiosa, partindo da tolerância religiosa para o reconhecimento dos
direitos humanos fundamentais.
Com efeito: «Desta
forma, a questão religiosa, no final do século XVIII, revelou toda a grandeza e
significado para a cidadania. O reconhecimento da liberdade religiosa só poderá
ser assegurado no interior de um sistema constitucional de liberdades e
garantias fundamentais. (...) Não é no temor a Deus que se revela a grandeza
dos homens, mas sim na capacidade de honrar as leis que a si próprio se deram.
Essa é também a dignidade do cidadão.» (Ibid:78).
Desprevenidamente, aceita-se, como sendo um
lugar-comum, quando se fala de cultura, quando se tenta, por vezes intencional
e desinteressadamente, classificar quaisquer situações, fenómenos, atos,
atitudes, tradições, usos e costumes, como cultura, envolvência cultural,
porém, quando se trata de reconhecer, em favor de uma determinada minoria,
valores, atividades, comportamentos e princípios, como seus direitos
inalienáveis e integrantes da cultura dessa minoria, surgem as evasivas de quem
tem o direito de decidir a favor delas, escuda-se em argumentos
político-constitucionais, vazios legislativos ou na irrelevância quantitativa
dessa mesma minoria.
Pode-se concordar, ou não, sobre a utilidade das
definições, argumentando que elas são redutoras, fechadas, dogmáticas ou, pelo
contrário, que são um ponto de partida, um primeiro conceito, uma referência, todavia,
não parece viável trabalhar-se no vazio, na indefinição.
Com o objetivo de, pelo menos, partir-se de algum
ponto, analisem-se algumas ideias, segundo as quais, a cultura está presente na
evolução da sociedade política: «Alguns
antropólogos e alguns cientistas políticos, tanto quanto outros cientistas
sociais, quase chegam a identificar o político com o cultural. (...) alguns
estudiosos têm-se impressionado com o facto de que a maior parte das normas
políticas existe não porque sejam sancionadas pela força, mas porque foram
incutidas nos jovens no decorrer da sua criação como parte do processo de
enculturação.» (FRIED, 1967:14-17).
Naturalmente que a complexidade da sociedade humana
pode motivar as mais elaboradas teorias, conduzir à defesa de teses muito bem
construídas, à idealização de uma sociedade pretensamente perfeita mas,
quaisquer que sejam os argumentos, é incontornável esta dimensão cultural,
porque ela é parte intrínseca à humanização.
No contexto de uma sociedade humanizada, a noção de
cultura assume desenvolvimentos diferentes: «Na
linguagem comum, o homem culto seria aquele que tem instrução, teve acesso à
produção intelectual da civilização a que pertence (ciência, filosofia,
literatura, artes em geral. (…) No sentido antropológico, cultura é tudo o que
o homem faz, seja material ou espiritual, seja pensamento ou acção. (...) A
cultura é, portanto, o que resulta do trabalho humano: a transformação
realizada pelos instrumentos, as ideias que tornam possível essa transformação
e os produtos dela resultantes.» (ARANHA, 1996:14-16).
De facto, é impossível dissociar a dimensão
cultural do homem, quaisquer que sejam as suas vertentes: política, ideológica,
religiosa, filosófica, científica, instrumental, na medida em que esta
diversidade enriquece, na complexidade da sociedade, a dignidade que,
indiscutivelmente, deve caracterizar o ser humano e, indo mais longe, com a
ajuda da Profª. Maria Lúcia Aranha desenvolver-se-ia, de seguida, aquilo a que
ela chama as três esferas da cultura, concluindo este tema ligando a cultura à
educação, na medida em que se apresenta, cada vez mais evidente, que o
reconhecimento das diferenças passa, necessariamente, por uma filosofia da
educação.
Agora e sempre, a Filosofia em evidência: «Relações de Trabalho, que são materiais,
produtivas e caracterizadas pelo desenvolvimento das técnicas e actividades
económicas; Relações Políticas, ou seja, as relações de poder, que possibilitam
a organização social e a criação de instituições sociais; Relações Culturais ou
comunicativas que resultam da produção e difusão do saber e deveriam pertencer
ao âmbito das relações intencionais, reduto da subjectividade. (...). A
Educação é, portanto, fundamental para a socialização do homem e sua
humanização. Trata-se de um processo que dura a vida toda e não se restringe à
mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de rupturas pelas
quais a cultura se renova e o homem faz a história.” (Ibid.:17).
Sem
prejuízo de outras posições, tanto ou mais contributivas para o reconhecimento
oficial e geral do multiculturalismo, ficou patente na abordagem descrita que a
cultura constitui um bem natural e precioso para a humanidade, um valor de
humanização que não se pode, em nenhuma circunstância, subestimar, pelo
contrário, todos têm a obrigação de preservar, aperfeiçoar e cada vez mais,
praticá-la, na vida quotidiana, intercambiando, entre povos, de todo o mundo.
A
civilização Ocidental, pode ser vista como uma macrocultura, e a questão que é
colocada é a de responder: «até que ponto
e precisamente como o conteúdo dos direitos humanos, tal como os conhecemos na
sua totalidade, serve como transportador da civilização ocidental e em oposição
a outras civilizações com um desvio, claramente ocidental, relativamente
expresso e consistente.» (GALTUNG, 1994:24).
Acresce a todo o desenvolvimento que, no âmbito do
reconhecimento do direito à diferença cultural, existem vários instrumentos
legais internacionais, nos quais Portugal é parte contratante, invocando-se, na
circunstância, o “Convénio Internacional
relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais”, mencionando-se
alguns artigos mais específicos nesta temática.
É assim que, logo no primeiro artigo se declara que: «1. Todos os povos têm direito de dispor
de si mesmos. Em virtude desse direito, eles determinam livremente o seu
desenvolvimento económico, social e cultural. 2. Para atingirem os seus fins
todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e dos seus recursos
naturais...» e, no seu artigo segundo:
«2. Os Estados partes do presente Convénio comprometem-se a garantir que os
direitos aqui enunciados serão exercidos sem nenhuma discriminação fundamentada
na raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra
opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra
situação.» (in, HAARSCHER, 1993:183).
Avançando na análise deste importante documento,
encontram-se, concreta e especificamente, normas que reconhecem, de forma
inequívoca, o direito à cultura, aliás o artigo quinze é claríssimo: «Artº 15º. 1. Os Estados partes do presente
Convénio reconhecem a todo o indivíduo o direito: a) De participar na vida
cultural; b) De beneficiar do progresso científico e das suas aplicações; c) De
beneficiar da protecção dos direitos morais e materiais resultantes de toda a
produção científica, literária ou artística de que for autor.» (Ibid.:189).
É possível fundamentar os valores humanos a partir
de uma argumentação religiosa: «A
sociedade secular também tem interesse em que os valores humanos, o humanum,
preservem o seu direito de cidadania no âmbito de uma religião e, neste caso,
da religião católica (...). O humanum só poder ser salvo na medida em que a sua
justificação for encarada em termos de divinum.» (KÜNG, 1990:156).
Bibliografia
ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed.
São Paulo: Moderna.
FRIED, Morton H. (1967) A Evolução da Sociedade Política: Um Ensaio sobre Antropologia Política. Trad. Luís F.D. Duarte. Rio de Janeiro/RJ: Zahar
Editora.
GALTUNG, Johan, (1994). Direitos Humanos – Uma Nova Perspectiva. Trad.
Margarida Fernandes. Lisboa: Instituto Piaget.
HAARSCHER, Guy, (1993). A Filosofia dos Direitos do
Homem. Trad. Armando F. Silva. Lisboa: Instituto Piaget.
KUNG, Hans, (1990). Projecto para uma Ética Mundial, Trad.
Maria Luísa Cabaços Meliço, Lisboa: Instituto Piaget.
SOROMENHO-MARQUES, Viriato, (1996). A
Era da Cidadania. Mira-Sintra: Publicações Europa-América.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone: 00351 936 400 689
Imprensa Escrita Local:
Jornal: “O Caminhense”
Jornal: “Terra e Mar”
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com
Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)
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