domingo, 27 de agosto de 2017

Relação Profissional: Consequências na Amizade Pessoal

O exercício de uma atividade profissional, em contexto de trabalho, em equipa, implica, por parte dos seus membros, a maior colaboração possível entre eles, tendo em vista alcançar determinados objetivos que a todos beneficiam: instituição, empresários, trabalhadores, clientes e fornecedores. A regra de ouro, eventualmente, entre outras, será, portanto, a coesão da equipa, a lealdade pessoal e profissional, a solidariedade e a cooperação dos seus membros.
É certo que, estará provado, a mistura entre amizade pessoal e o relacionamento profissional não produzirá os melhores resultados, na medida em que os contextos de relacionamento são diferentes: enquanto uma relação, uma amizade verdadeira, leal, solidária, em princípio, deverá ser para sempre; uma relação profissional será mantida enquanto durar o trabalho de equipa, e/ou no seio de uma mesma instituição.
É verdade que, a partir de uma relação profissional, permanente, se podem estabelecer laços de amizade que perduram para além daquela circunstância, inclusive, podem resultar num enlace matrimonial. Mas também se admite que uma relação profissional desleal provoca, inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, um desgaste emocional que afeta a amizade pessoal.
A questão que se coloca é a seguinte: o que será mais importante, uma relação pessoal de sincera amizade, com aquele amar próprio do “Amor-de-Amigo”, em que: «Amar outra pessoa, também significa desejar-lhe o melhor, olhar por ela, tratá-la de forma excepcional, dar-lhe o melhor de nós mesmos. Significa a outra nossa alma gémea da amizade sincera e dos valores a ela associados.» (cf. (ROJAS, 1994), ou uma, quantas vezes, “amizade” ou relação profissional casuística, oportunista, interesseira, hipócrita e leviana?
Em qualquer dos contextos – pessoal, profissional, político, social, religioso e outros – é essencial para uma boa relação a interiorização e boas-práticas de lealdade, porque: «Ser leal é estar comprometido com algo em que acreditamos. E, se acreditamos, queremos que continue, queremos conservar aquela crença, aquele estado criado no grupo. A condição de estabilidade assim compreendida tem sido fugidia.» (Ávila, 2005:12).
Epicuro, filósofo grego, nascido na Ilha de Samos, em 341 a.C., ilha grega no leste do mar Egeu, afirmava, já ao seu tempo, que: «A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada.» (http://pensador.uol.com.br/frase/MTI5MTk/, consultado em 17.08.2017).
Estes dois nobilíssimos valores, - Amizade e Lealdade - que tanto dignificam o ser humano, são indissociáveis, porque um implica o outro, em quaisquer situações, isto é, não se pode ser amigo e manifestar amizade pessoal e ao mesmo tempo ser-se incoerente e desleal em contexto profissional.
Poderá ser muito complexo levar para o trabalho a amizade pessoal, na medida em que esta é um valor que não pode ser colocado ao serviço do todo, é um sentimento que apenas diz respeito a dois amigos, os quais não devem permitir que alguém se valha desta amizade para outros fins: influências à custa daqueles amigos, exibições e autopromoções.
O ideal será, portanto, a ampliação, consolidação e preservação de uma verdadeira amizade pessoal, e evitar, a todo o custo, que esta venha a ser prejudicada por comportamentos profissionais inadequados e até injustos, mantendo-se sempre, em todas as situações, uma absoluta lealdade, porque assim se poderá conservar a confiança, a fidelidade, a cumplicidade e a coesão. Colocar acima de um “Amor-de-Amigo”, outros interesses, situações e pessoas, poderá constituir um autêntico suicídio nas restantes relações.
A lealdade no trabalho exige reciprocidade, isto é, a lealdade de um colaborador só se justifica se o colega adotar idêntico comportamento, - reciprocidade - de contrário e quando se verificar a infidelidade, então o melhor será a desvinculação do compromisso de retribuição, mantendo-se, todavia, relações de cordialidade, educação, respeito e colaboração, estritamente profissionais, sob pena dos objetivos serem prejudicados e tudo ficar em causa, incluindo a instituição e os postos de trabalho.
A inexistência de comportamentos leais, solidários, cúmplices, em contexto profissional, envolve, eventualmente, um afastamento pessoal, social e relacional fora da instituição, o que nada tem a ver com a amizade exatamente pessoal.
Parece incompatível querer ser-se amigo e bem relacionado fora da instituição, mas com comportamentos “encapuzados” no âmbito profissional e vice-versa. A coerência, a verdade, a frontalidade, serão sempre a chave das atitudes corretas e do sucesso das relações.
Claro que é difícil conciliar comportamentos, baseados numa verdadeira amizade pessoal, com os que resultam da atividade profissional. As barreiras a vencer, por vezes, são muitas e, aparentemente, intransponíveis. É nestas circunstâncias que: «Aprendemos muito mais quando temos de enfrentar obstáculos pela frente, ou quando estes não são nenhuns. Uma vida com relações difíceis, preenchida de obstáculos e perdas, representa sempre uma oportunidade para o crescimento da alma.» (BRIAN, 2000:64).
A componente tempo profissional, corresponde, sensivelmente, a pouco mais do que um terço da vida de cada pessoa. Adotar atitudes profissionais que prejudicam uma relação pessoal de amizade sincera, revela-se improcedente, até pela razão de que muito dificilmente dois ou mais colegas de trabalho vão conviver toda uma vida enquanto tais. Hoje, os empregos para toda a vida são, praticamente, inexistentes, logo, não se justificam comportamentos incorretos que afetam valores extraprofissionais.
A preservação da verdadeira amizade é, portanto, uma prioridade em quaisquer níveis de relacionamento. Naturalmente que a manutenção de uma amizade sincera, pura e que se deseja para toda a vida, envolve alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, felicidade e desventura.
Mas a nossa existência humana é assim mesmo: «O sofrimento faz parte da vida e não temos de sentir que ele acontece por termos sido nós pessoalmente a dar um passo errado. Na realidade, aliás, quando sentimos sofrimento, pensamos que algo está errado. Como estamos dependentes da esperança, sentimos que podemos sintonizar a nossa experiência, animá-la ou alterá-la de algum modo e continuamos a sofrer imenso.» (CHODRON, 2007:61).
Resulta que será incompreensível todo e qualquer comportamento profissional que venha a agravar ainda mais a vida extraprofissional, concluindo-se que para atenuar, ou evitar efeitos nocivos na amizade, de um ou mais colegas de trabalho, estes devem ter atitudes de grande abertura, transparência, ajuda mútua e, principalmente, honestidade intelectual, lealdade pessoal, comunhão, tanto quanto possível de juízos de valor, quando justos, verdadeiros e pertinentes.
O relacionamento profissional que contrarie determinadas regras, princípios, valores, sentimentos e condutas, está condenado ao fracasso, à desilusão, à desmotivação e à improdutividade, o que, uma vez mais, se reflete na relação de amizade pessoal, nos sentimentos de “amor-de-amigo”, de carinho, de estima, de consideração.
Caminha-se, então, para a hipocrisia, para o cinismo, para o “faz-de-conta”, para uma “paz-podre”, que conduz à infelicidade, à doença, à morte psicológica e física das pessoas, sobre quem recaem os comportamentos desleais dos colegas.
A relação pessoal de amizade extraprofissional é o “motor” que faz movimentar os mais nobres princípios, valores e sentimentos: Amor, lealdade, companheirismo, justiça, cumplicidade, motivação, alegria, comunhão de objetivos.
Como ideia central poder-se-á reter que a amizade pessoal, quando assente num grande e indestrutível “Amor-de-Amigo”, jamais deverá ser exposta e muito menos misturada com outras relações, a começar no contexto de trabalho, e noutras atividades que, de alguma forma, atraiçoem aquele sentimento tão profundo, porque a amizade assumida entre dois amigos que, descomplexadamente, se querem muito bem, independentemente de estatutos, faixas etárias, património e outros valores materiais, não deverá ser destruída, em circunstância alguma.
Por isso as relações profissionais, também estas, devem pautar-se pela transparência, pela verdade, pela solidariedade e pela reciprocidade e, então sim, poderá acontecer que desta surja uma relação pessoal. O contrário, uma relação pessoal, sincera, íntima, esta no sentido da cumplicidade, da confidência de situações que afetam os amigos, deve ser sempre preservada e evitar recorrer a esta relação privilegiada em contextos profissionais se daí resultarem situações nefastas para aquela amizade pessoal.
Não se devem misturar os planos, porque em contexto profissional, as funções estão estabelecidas, é só cumprir com as regras: cada pessoa tem as suas competências; exerce as suas capacidades o melhor que sabe e que pode; não tem de levar para o trabalho o que é de natureza particular e, de igual forma, não deve transportar para casa ou para o seio de amigos, as dificuldades laborais, se estas vierem a provocar a degradação das relações pessoais.
Não se defende que tudo seja, ou deva ser, estanque na vida. O que se preconiza é que se evite “misturar” princípios, valores, sentimentos e emoções em quaisquer contextos. Que se acautele toda e qualquer possibilidade de magoarmos os nossos verdadeiros amigos, aqueles de quem temos sobejas provas de que realmente estão sempre connosco, do nosso lado, preocupados com o nosso bem-estar. Temos de aprender a conhecer os nossos amigos do coração e não custará nada, se realmente os queremos como amigos, compreendê-los, considerá-los, estimá-los, acarinhá-los.
A amizade pessoal é um bem preciosíssimo. Quem tem uma amizade profunda, com um amigo verdadeiro, seguramente que, nas dificuldades da vida, terá sempre a seu lado uma pessoa doadora, carinhosa, meiga e que atenuará o sofrimento, qualquer que este seja. Por tudo isto é que a relação pessoal, em circunstância alguma poderá ser prejudicada pela ligação profissional.

Bibliografia

ÁVILA, Lauro António Lacerda de (2005). Lealdade nas Atuais Relações de Trabalho, Vale do Rio dos Sinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Cadernos IHU, Ano 3, Nº 14 - 2005
BRIAN L. Weiss, M.D. (2000). A Divina Sabedoria dos Mestres. Um Guia para a Felicidade, alegria e Paz Interior. Trad. António Reca de Sousa. Cascais: Pergaminho.
CHODRON, Pema, (2007). Quando Tudo se Desfaz. Palavras de coragem para tempos difíceis. Trad. Maria Augusta Júdice. Porto: ASA editores.
ROJAS, Enrique, (1994). O Homem Light. Tradução Pe. Virgílio Miranda Neves. Madrid: Ediciones Temas de Hoy, S.A.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Jornal: “Terra e Mar”

Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)

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