Hoje, terceira década do século XXI, sabe-se que
Pinheiro Ferreira (1769-1846) nunca deu quaisquer indícios de que pretendesse
para o Brasil, algo que do seu ponto de vista, fosse contra os direitos do povo
brasileiro, pois o que ele mais temia era a destruição do Brasil, por isso,
entendia como solução mais adequada a união dos dois territórios sob a mesma
coroa, com dois monarcas, mantendo-se D. João VI como imperador do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves.
Cometer-se-ia uma injustiça contra Silvestre
Ferreira, se não se destacasse aqui a sua estima e admiração pelo povo
brasileiro (cultura, tradições e crenças), cuja dignidade e inviolabilidade são
por ele reivindicadas, perante a arrogância sobranceira dos imigrantes europeus
que demandavam o Brasil. Com efeito: «a maior parte dos europeus, que
pisaram o solo do Brasil, nem eram homens de bons sentimentos, nem de educação;
e por isso na oficiosidade, na condescendência, na hospitalidade dos
brasileiros não descobriram senão servil respeito e baixeza, que só serviu a
inflamar o orgulho da sua imaginada superioridade.» (FERREIRA, 1834c.373).
Como outros ilustres defensores da monarquia,
nomeadamente D. Rodrigo de Sousa Coutinho e o Conde de Palmela, Pinheiro
Ferreira empenhou todos os seus conhecimentos técnicos, diplomáticos e
políticos, para modernizar as instituições monárquicas, de forma a melhor
servirem os interesses do povo.
O seu esforço é, consensualmente, reconhecido,
especialmente nos domínios político-filosóficos. Sabe-se que: «a
contribuição de Silvestre Pinheiro Ferreira revestiu-se do maior rigor técnico.
O estadista português compreendeu que ao lado da definição dos direitos
individuais, da fixação dos limites do poder estatal e da estruturação
equilibrada dos poderes governamentais, encontrava-se o problema principal: a
representação política.» (BARRETO, 1975:474).
A atividade política, democraticamente exercida, é
aquela que, por excelência, melhores condições pode criar para alterar
situações em, praticamente, todos os domínios da sociedade. Silvestre Ferreira
sabia-o, e não ignorava que poderia ter um papel importante, no curso dos
acontecimentos da sua época, no espaço luso-brasileiro e, nesse sentido,
envolveu-se em complexas situações, aos mais elevados níveis da governação, por
isso, desde bem cedo se aproximou do Poder, até como simples conselheiro, junto
dos administradores e altas individualidades na medida em que: «não eram só
os Ministros a se mostrarem adeptos das inovações e reformas.» (PRADO,
1968: 129 – Nota 91).
O período conturbado da primeira metade do séc. XIX,
não favoreceu a implementação e dinamização prática dos Direitos Humanos,
defendidos por Pinheiro Ferreira, consubstanciados na exemplaridade da sua
vida, plasmados nos muitos projetos que elaborou e pareceres que emitiu.
Só muito mais tarde, após a sua morte, é que cada
vez um maior número de estudiosos, com especial destaque para investigadores
brasileiros e portugueses, vêm reconhecendo a importância da sua obra
jurídico-política na defesa da Cidadania e dos Direitos do Homem, e de um
regime democrático e representativo, com divisão de poderes, reciprocamente,
equilibrados e controlados, designadamente: «...O constitucionalista Silvestre
Pinheiro Ferreira que foi ministro de D. João VI em terras brasileiras nos
conturbados anos posteriores à Revolução do Porto até à partida da Família Real
para Portugal, e que tanta influência teve no desenvolvimento de uma concepção
de estado liberal no Brasil e em Portugal, ao interpretar Constant, entende que
o poder neutro, que chama de conservador, deve estar distribuído entre os
demais poderes e não sobreposto aos mesmos.» (CERNEV, 1986:31; ESTEVES,
1998:89).
O sistema político de Silvestre Ferreira embora,
pareça jogar numa certa diluição entre os vários poderes que o constituem
(Eleitoral, Legislativo, Judicial, Executivo e Conservador), o facto é que tais
poderes estão bem caraterizados, definidas as suas competências e estabelecido
o seu funcionamento, o que vem beneficiar o regime monárquico-constitucional e
democrático, no que respeita à observância do exercício dos Direitos,
Liberdades e Garantias, ao contrário de um poder absoluto, centralizado e
ditador.
Na descrição que faz de cada um daqueles poderes,
Pinheiro Ferreira antepõe-lhes algumas reflexões de notável profundidade e
atualidade democrática. Por exemplo, a propósito do Poder Eleitoral afirma: «Ao
grande júri eleitoral, único tribunal da opinião pública, pertence distribuir os
empregos aos candidatos, segundo suas capacidades, e recompensar os cidadãos,
segundo os seus merecimentos.» (FERREIRA, 1834a:112).
Adotando o mesmo critério, relativamente ao Poder
Legislativo, defende que o legislador terá o dever de proporcionar as condições
legais para o bem geral do Estado, no sentido de criar direitos e deveres,
iguais para todos os cidadãos, por isso: «O mandato do legislador não é um
poder absoluto. Toda a lei de privilégio contrária à lei comum seria um
atentado. Toda a lei comum contrária às condições do pacto social seria
prevaricação.» (Ibid.:142). Crítica velada ao absolutismo e condenação duma
política de privilégios, que violava a lei comum, o que contrariava os seus
valores democráticos.
No que concerne ao Poder Judicial, dantes como
hoje, tão sensível quanto fundamental para a boa aplicação da lei, e a
correspondente realização da Justiça, Pinheiro Ferreira tem uma visão
interessante, e extraordinariamente coincidente com as preocupações que hoje nos
fazem meditar, quando num contexto democrático de plena liberdade, se verifica
que o sistema judicial, principalmente em Portugal, não consegue a realização
plena, objetiva e pertinente da Justiça, julgada adequada aos acontecimentos e
aos intervenientes, sejam estes arguidos/réus ou vítimas.
E se: por um lado, a separação dos poderes é
fundamental para o bom funcionamento das instituições; não menos essencial é
que, a cada poder, sejam atribuídas as respetivas competências, em lei própria,
que deve estabelecer os limites da jurisdição do poder que regula.
Para que a lei se aplique, dispõe o Poder Judicial
de tribunais, forças policiais e estabelecimentos prisionais, e/ou de correção
porque: de facto, o objeto deste importante Poder consiste em decidir as causas
criminosas ou civis ocorridas na sociedade; por isso é essencial que a
população confie no sistema, conforme refere Pinheiro Ferreira: «O Poder
Judicial não pode ser exercido senão por juízes revestidos de confiança das
partes e da nação.» (Ibid.:183).
Na composição do Poder Executivo, Silvestre
Ferreira considera dois aspetos muito importantes e complementares: por um
lado, o monarca; por outro, uma burocracia ordenada de forma hierárquica. No
entanto, a direção do governo pertencerá a uma única pessoa – o monarca – atuando
os restantes elementos, com os seus meios, capacidades e especialidades, na
dependência daquele. Neste Poder Governamental, a cooperação é articulada pelo
monarca, do qual partem as respetivas instruções, existindo um único
pensamento. (Ibid.:247). O governo funcionará como um sistema orgânico.
Finalmente, no sistema político delineado por
Pinheiro Ferreira, surge um quinto e último instrumento – o Poder Conservador –
que não é, exatamente, uma cópia do Poder Moderador de Benjamin Constant, muito
embora tenha recebido alguma influência deste, porque este Poder não é
originário da realeza. O que se pretendia com ele, segundo Silvestre Pinheiro,
era: «fazer guardar os direitos que competem a cada cidadão, e manter a
independência e a harmonia de todos os outros poderes políticos a fim de que os
agentes de um não usurpem as atribuições de outro.» (Ibid.:322).
A técnica jurídica utilizada por Pinheiro Ferreira,
consistiu em retirar aos demais poderes, parte das atribuições conservadoras,
constituindo-se o Poder Conservador com elementos daqueles anteriores poderes,
reservando-se o exercício deste Poder, na parte que respeita aos direitos
civis, a todos os cidadãos, através da figura da petição ou, em último recurso,
pela resistência legal.
Nos demais aspetos, o ideal seria criar uma
autoridade independente dos restantes poderes, que não tivesse acesso nem
exercesse nenhum dos referidos quatro poderes anteriores. Na apresentação e
descrição do Poder Conservador, Pinheiro Ferreira afirma que: «sem um Poder
Conservador não pode haver independência, harmonia nem equilíbrio entre outros
poderes políticos do estado.» (Ibid).
Bibliografia
BARRETO, Vicente, (1975). “Uma Introdução ao Pensamento Político de
Silvestre Pinheiro Ferreira” in: Revista
Brasileira de Filosofia, Vol. XXV, (100), S. Paulo: IBF, outubro-novembro,
págs. 470-478
CERNEV, Jorge, (1986). “Silvestre Pinheiro Ferreira: Um Teórico Liberal
da Monarquia Representativa”, in: Convivium, Vol. 29, nº. 1, São Paulo/SP,
Convívio, jan/fev. 1986, Págs. 19-33.
ESTEVES, João Luiz Martins, (1998). “Origem do Constitucionalismo Brasileiro”,
in: Paradigmas, Revista de Filosofia Brasileira. Londrina: CEFL, Vol.
II, (1). Dez. 1998, págs. 79-92
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834a). Manual do
Cidadão em um Governo Representativo. Vol.
I, Tomo I, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834c) Manual do
Cidadão em um Governo Representativo. Vol.
II, Tomo III, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.
PRADO, J. F. de Almeida., (1968). D. João VI e o
Início da Classe Dirigente no Brasil,
São Paulo: Companhia Editora Nacional. Nota 9L pág. 129
“NÃO,
à violência das armas; SIM, ao diálogo criativo. As Regras, são simples, para
se obter a PAZ”
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Venade/Caminha – Portugal, 2023
Com o protesto da minha permanente
GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de
Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de
Letras e Artes de Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
http://diamantinobartolo.blogspot.com
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