domingo, 29 de dezembro de 2024

FILOSOFIA ENQUANTO FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOS.

 O vocábulo Filosofia, nos dias que correm, tem sido, aparentemente, banalizado, quando é utilizado de uma forma utilitarista, no sentido de dignificar, dar maior relevo, a uma certa postura social, profissional e institucional: “aquela pessoa tem uma Filosofia de vida excelente; aquele indivíduo tem uma ótima Filosofia de trabalho; o governo aprovou uma nova Filosofia para a saúde; os portugueses aderiram às Filosofias agrícolas comunitárias ou os brasileiros assumem-se com uma Filosofia de vida feliz em cada dia, etc.”.

Numa outra perspetiva, talvez mais elevada, também se pode analisar a Filosofia dos Direitos Humanos, ou apenas a Filosofia do Direito. Ora, invocar, a Filosofia, para fundamentar e justificar determinados atos, situações, conhecimentos e investigações, isso constitui, afinal, um reconhecimento geral quanto à necessidade da sua existência; explicar, conceptualmente o que é a Filosofia, continua difícil e, uma vez mais, numa outra latitude - Brasil - trago à discussão, novas e atuais ideias.

Nesta outra longitude: «A Filosofia é saber pelo saber. Não sendo, pois, dirigida a nenhuma solução de ordem prática, ela é num certo sentido, o mais útil de todos os saberes. (...). Quando se examina a história das civilizações, até um passado muito recente, um aspecto que chama à atenção é o dinamismo das Sociedades Ocidentais... A Sociedade Ocidental não só elabora as Teorias Físicas que resultaram da tecnologia moderna, mas também todas as grandes teorias no campo da biologia, da psicologia, da política, da economia, etc., que revolucionaram a visão tradicional sobre os homens e as suas instituições. Com seus méritos e desméritos, vantagens e desvantagens, todo esse dinamismo tem a ver com o tipo de pensamento desenvolvido no Ocidente, isto é, com a Filosofia. (...) Filosofia é saber de todas as coisas, é saber crítico. (...) A Filosofia é, justamente, a ciência com a qual não é possível ao mundo permanecer tal e qual.» (REZENDE, 1997:15-16).

A imagem que normalmente nos chega desde os tempos remotos da antiguidade, sobre o aspeto físico do filósofo (não da Filosofia), é a de um homem maduro, a caminho da velhice, com um semblante circunspecto, compenetrado, responsável.

Por outro lado, ainda hoje verificamos, em muitas comunidades portuguesas, a existência do “Conselho de Anciãos”, (v.g. Concelho de Bragança) constituído por pessoas de idade avançada, imensas experiências vividas e conhecimentos tradicionais, com uma base filosófica muito acentuada, a denominada Filosofia Popular, da Vida, o bom senso. Estes “Conselhos de Anciãos” ou de “Sábios” como na antiga Grécia se denominavam, resolvem muitos problemas comunitários, devido às experiências riquíssimas que, durante as suas longas vidas, têm vivenciado. Aliás, Deleuze, confirma-nos isto mesmo.

 Provavelmente: «Talvez só tarde na vida se possa pôr a questão: O que é a Filosofia? Quando chega a velhice e a hora de falar concretamente. (...). Há casos em que a velhice dá, não uma eterna juventude, mas, pelo contrário, uma liberdade soberana, uma necessidade pura em que se goza um momento de graça entre a vida e a morte e em que todas as peças da máquina se combinam para lançar em direcção ao futuro um traço que atravessa as idades. » (DELEUZE e GUATTARI, 1992:9).

Contemporaneamente, e na perspectiva de alguns autores, concretamente, Deleuze, que agora estamos a analisar, verificamos que há um recuperar do vocábulo “amigo” para, a partir dele, chegarmos ao conceito de filósofo, como o que, classicamente, já se vinha defendendo: «Amigo da Sabedoria», evoluindo-se então para outros termos tais como amante, pretendente e rival. O filósofo terá então de ser o amigo do conceito, quando admitimos que a Filosofia é a disciplina que consiste em criar juízos, e assim o filósofo não só não deve aceitar os conceitos que lhe são dados, mas analisá-los e, se possível, criar novas conceções.

 Na verdade, e quanto à necessidade dos conceitos: «É necessário que comecem por os fabricar, os criar, os formular e persuadam os homens a recorrer a eles... (...) Estamos pelo menos a ver aquilo que a Filosofia não é: não é contemplação, nem reflexão, embora possa ter julgado ser uma ou outra, devido à capacidade que qualquer disciplina tem em engendrar as suas próprias ilusões e de se esconder atrás de um nevoeiro que especialmente emite. » (Ibid.:12-13).

Também nesta perspectiva, daquilo que a Filosofia não é, desenvolve-se a tese segundo a qual: a Filosofia não tem que se preocupar com os Universais, na medida em que a Filosofia tem como primeiro princípio o de que os Universais não explicam nada, mas, pelo contrário, têm de ser eles próprios explicados.

Importa: «Conhecer-se a si mesmo - aprender a pensar - fazer como se nada fosse evidente - espantar-se, «espantar-se por o ente ser um (…) estas e muitas outras determinações da Filosofia foram atitudes interessantes, embora cansativas a longo prazo, mas não constituem uma ocupação bem definida, uma actividade precisa, nem sequer de um ponto de vista pedagógico. Pode considerar-se decisiva, pelo contrário, esta definição de Filosofia: Conhecimento através de puros conceitos. » (Ibid.:14).

A Filosofia Contemporânea, abordada por Deleuze, rompe com os conceitos clássicos utilizados na sua definição e desenvolve, pelo contrário, toda uma argumentação no sentido de atribuir à Filosofia a ciência, ou a disciplina de construir conceitos, até porque, de contrário, estaríamos perante um caos cerebral, ou seja, só conhecemos algo a partir da sua conceptualização e, neste jogo de construção de conceitos, o que desde logo verificamos, é que todo o conceito, só o é com referência a um outro e, qualquer que seja o conceito, ele deve conter certas componentes as quais, elas mesmas definem o conceito.

Ora: «Todo o conceito, remete para um problema, para problemas sem os quais não haverá sentido e que por sua vez só podem ser isolados ou compreendidos ao mesmo tempo que a sua solução... (...) em Filosofia só se criam conceitos em função de problemas que se julgam mal vistos ou colocados (pedagogia do conceito)... (...). Com efeito, todo o conceito dado que tem um número finito de componentes vai entroncar noutros conceitos, compostos de maneira diferente, mas que constituem outros do mesmo plano, respondem a problemas concretos, participam de uma co-criação.» (Ibid.:22-23).

A Teoria do Conceito em Deleuze, enquadra, portanto, uma nova conceptualização de Filosofia que se pode, agora, idealizar com o seguinte passo: «As proposições ou funções bastam à ciência, enquanto a Filosofia por seu lado, não tem necessidade de invocar um vivido que apenas daria uma vida fantasmática e extrínseca a conceitos secundários já de si exangues. O conceito filosófico não se refere ao vivido por compensação, mas consiste, pela sua própria criação, em estabelecer um acontecimento que sobrevoe qualquer vivido. (...) A grandeza de uma Filosofia avalia-se pela natureza dos acontecimentos a que os seus conceitos nos chamam ou que ela nos torna capazes de libertar em conceitos. (...) O conceito pertence à Filosofia e só a ela pertence. » (Ibid.:35).

 Até que ponto é que esta Teoria do Conceito, como definição de Filosofia se pode, ou não, comparar à Teoria dos Paradigmas, para a ciência? Será uma análise para posterior discussão, no âmbito da Filosofia e da ciência contemporânea? Chegados a este ponto, um outro problema da transição dos séculos, XX para XXI, se nos coloca e que tem a ver com a possibilidade, ou não, de se estudar Filosofia? E pelo estudo da Filosofia chegaremos a alguma conclusão, sobre o que é a Filosofia? Ou sobre o que ela, não é?


BIBLIOGRAFIA


DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix, (1992). O Que é a Filosofia. Tradução, Margarida Barahuna e António Guerreiro. 1a ed. Lisboa: Editorial Presença.

REZENDE, Antônio (Org.), (1997). Curso de Filosofia para Professores e Alunos dos Cursos de Segundo Grau e de Graduação, 7a ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/SEF.

 

“NÃO, ao ímpeto das armas; SIM, ao diálogo criativo/construtivo. Caminho para a PAZ”

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